O dicionário Oxford tem a tradição de nesta época
escolher a palavra do ano. Em 2015, a palavra foi um "emoji", a
carinha de felicidade enviada pelo celular para expressar emoções. Bons tempos
aqueles.
Desta vez a palavra escolhida foi
"pós-verdade", definida como "circunstâncias nas quais fatos
objetivos são menos influentes para determinar a opinião pública do que apelos
a emoções e crenças pessoais". Exemplo de uso: "Nesta era da
pós-verdade, é fácil usar dados para demonstrar qualquer conclusão que você
quiser".
A escolha da palavra do ano coincide com o imenso
debate que tomou conta do planeta sobre a propagação de notícias falsas por
meio da internet. Depois da eleição de Trump, a bolha antitrumpista foi rápida
em apontar as redes sociais e as empresas de internet como um dos responsáveis
por contribuir para a eleição do magnata.
A razão apontada para isso é a circulação frenética
de notícias falsas. Por exemplo, a notícia de que o papa Francisco havia
apoiado Trump foi compartilhada quase 1 milhão de vezes. Outra, dizendo que a
comunidade amish havia apoiado o magnata, foi indexada como notícia da ABC
News, graças a um site falso que usava o nome da famosa rede de TV dos EUA.
Essas falsidades circularam bem mais do que seus
desmentidos. É altamente provável que até hoje haja muita gente acreditando
nessas afirmações.
O autor da notícia dos amish é o empresário Paul
Horner, morador do Estado do Arizona, de 38 anos. Ele se autointitula
"troll" profissional.
Ele ganha a vida publicando notícias falsas sobre
tudo e todos. Por exemplo, convenceu falsamente 4,8 milhões de pessoas de que
ele seria o famoso grafiteiro britânico Banksy, cuja identidade é desconhecida.
Com as eleições nos EUA, seus negócios explodiram.
Ele logo notou que a postagem de notícias falsas favoráveis a Trump alcançava
picos inéditos de compartilhamento (outros trolls tentaram fazer o mesmo com
notícias favoráveis a Hillary Clinton, mas, ao ver que os compartilhamentos
eram baixos, desistiram).
Vale ler a entrevista que Horner deu ao jornal
"Washington Post". Nela ele afirma com a empáfia típica dos trolls
que "Trump está na Casa Branca por minha causa". Ao ser questionado
se apoiava o candidato, ele respondeu "odeio Trump" e afirmou que fez
o que fez porque dava audiência e receita publicitária.
A questão é o que deve ser feito. A disseminação de
notícias falsas é usada tanto para fins políticos quanto por grupos terroristas
como o Estado Islâmico.
Há muitas propostas na mesa sobre como mitigar essa
questão: aumentar a repercussão de sites jornalísticos; listar nos links
recomendados sites de "checagem de fatos"; ou permitir que usuários
denunciem conteúdos falsos. O tema é espinhoso. É a primeira pauta de reforma
institucional a decolar no mundo pós-Trump. É um começo. Há muitas outras
instituições precisando de reforma.
Ronaldo Lemos - advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de
Janeiro.
Fonte: coluna no jornal FSP