Quando a jovem Alessandra
Rister Portinari Maranca tinha apenas 10 anos e estava começando a sua
vida na capital de São Paulo, ela viveu uma tentativa de estupro que afetou sua
saúde mental. A garota desenvolveu bulimia durante grande parte da
pré-adolescência e uma relação tóxica com o próprio corpo. O suicídio chegou a
passar pela sua cabeça, mas logo foi descartado.
“Eu tinha amigos que pensavam em se
suicidar, eu e as minhas amigas às vezes falávamos isso também e eu pensei:
‘nossa, mas nós temos 13 anos, porque estamos falando de suicídio? Há algo de
doente nessa sociedade que nós não entendemos'”, revela Alessandra, hoje com 18
anos.
Foi assim, aos 13 anos, enquanto
cursava o 9º ano do Ensino Fundamental, que ela decidiu, junto com mais duas
colegas, a desenvolver uma iniciação científica para entender as possíveis
motivações para o suicídio. “Quando estudamos o que nos faz mal, quando
estudamos o quanto consumimos o corpo ideal da mídia e o quanto isso é usado
como uma estratégia de venda, percebemos que somos vulneráveis e que temos que
lutar para sermos melhores”, afirma.
Entendendo
a saúde mental e o suicídio entre jovens no Brasil
Além de um trabalho comportamental
e de saúde mental, Alessandra, Catharina Faria de Morais e Maria Clara Batista
Nascentes desenvolveram um padrão matemático para entender o suicídio e
combatê-lo. “É um modelo que tenta entender, a partir de todas as causas
sociológicas que podem prejudicar a saúde mental, quais delas de fato impactam
o bem-estar. Fizemos, também, um comparativo entre escolar públicas e
particulares”, conta.
O grupo estudou os fatores
sociológicos que interferem no bem-estar psicológicos dos jovens. “Nós tínhamos
hipóteses de como a sociedade hipermoderna estaria prejudicando a saúde mental
dos indivíduos. Então pensamos em fatores, como a formação de identidade por
meio do corpo, por meio da popularidade, por meio do consumo e por meio da
competência escolar. Testamos essas hipóteses para cada critério da saúde
mental da OMS [Organização Mundial da Saúde] e fizemos mais de mil
questionários em escolas públicas e privadas para fazer a análise quantitativa
e qualitativa”, explica.
As descobertas são impressionantes – e
tristes. De acordo com o estudo, nas escolas públicas, existe uma correlação de
99,9% entre a formação de identidade e a imagem corporal, o que pode causar
distúrbios como bulimia, anorexia e outros distúrbios corporais. Já nas escolas
particulares, muitas vezes pelo fato de os alunos terem melhores condições
financeiras – e também pela maioria deles ser branca –, eles
conseguem mais facilmente se encaixar nos padrões de beleza impostos pela
sociedade. “Eles têm mais acesso a dietas, cirurgias, procedimentos estéticos,
que sanam essa vontade de se encaixar nos padrões”, explica Alessandra.
Além da pesquisa, o trio também
participou do TED Talks e concedeu uma palestra para mais de 300 professores de
rede pública e particular, na sede do Facebook, para debater como eles podem
ajudar os alunos em sala de aula para auxiliar na saúde mental dos
adolescentes.
Sonhos
para o futuro
Depois de desenvolver essa longa
pesquisa – foram quatro anos se dedicando ao
assunto – Alessandra percebeu que tinha um sonho: cursar Matemática e
trabalhar no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas foi
por bem pouco que o futuro da jovem não tomou outro caminho.
“Eu só decidi que eu ia fazer um
curso de exatas depois que eu já tinha passado em Direito, na Universidade de
São Paulo”, revela. Por insistência dos pais, Alessandra prestou o vestibular
para o curso, mas, de forma escondida, se inscreveu no Sisu (Sistema de Seleção
Unificada) e se matriculou no Instituto de Matemática e Estatística (IME),
também da USP.
Um pouco antes de começar o
primeiro semestre do curso, ela sonhou mais alto: decidira tentar ingressar em
alguma universidade internacional. A Universidade de Stanford, na Califórnia,
abriu as portas para Alessandra. Foi, assim, que ela decidiu recorrer à Fundação
Estudar e, após um longo e difícil processo seletivo, ela se tornou
uma das bolsistas do Projeto Líderes Estudar
“Eu nunca tinha pensado em estudar
fora do Brasil porque eu sempre pensei em contribuir com o que existe aqui. Mas
depois eu entendi que o meu objetivo é ajudar o Brasil. Estudar fora é uma
missão de realização profissional e pessoal, mas para depois devolver para cá e
trabalhar no IBGE”, conta Alessandra.
Essa percepção foi alcançada
durante o processo seletivo do Projeto Líderes, que além de custear os estudos
de Alessandra, também a auxilia com mentoria. “Quando vemos vários jovens no
Brasil preocupados em seguir uma carreira com propósito, pensamos que é
justamente porque eles querem deixar um legado e contribuir ativamente para o
país”, pondera Anamaíra Spaggiari, diretora-executiva da Fundação
Estudar. “Trabalhar com eles é algo muito gratificante e que dá muito orgulho e
esperança de termos um Brasil melhor”, completa.
Por
mais mulheres na Matemática
Alessandra era uma das poucas
garotas em sua turma no IME e, no começo, chegou a pensar que tinha cometido um
erro ao desistir do Direito. “Quando eu entrei na sala pela primeira vez, eu me
assustei, porque era eu e mais uma menina em uma sala cheia de homens e com um
professor que também é homem.”, relembra. “E eu logo percebi que não adianta
você ser tão boa quanto eles, você tem que ser melhor para eles entenderem que
você é boa. Foi muito divertido, inclusive, quando eu tirei a nota mais alta de
cálculo na minha turma. Pensei ‘nossa e eu estava assustada com os homens! Nada
a ver!'”, brinca.
E prestes a iniciar as aulas, à
distância devido à pandemia do coronavírus, em Stanford, a jovem
está preparada para mergulhar de cabeça na Matemática. “Eu acho que cada vez
mais teremos mulheres na Matemática, porque a área precisa de mulheres, não só
as mulheres precisam dela”, pondera. E ela finaliza com uma mensagem
importante: “Quanto mais mulheres estiverem nessa área, menos mulheres vão
desistir.”
Fonte: revista CLAUDIA