O prazer está na procura
Tentar
e conquistar promete mais bem-estar do que repetir o que funciona.
“Mas ele já tem tudo, o que mais pode querer?”
Racionalmente, quem já conquistou tudo o que queria conquistar —medalha de
ouro, milhões no banco, amor incondicional, casa, comida e roupa lavada—
deveria sossegar o facho e curtir o que tem. Mas quem disse que o cérebro é
racional?
Lógico, no entanto, ele é, sempre —mesmo que a
gente ainda não entenda a lógica. E a lógica por trás dessa ânsia particular
por sempre mais eu acho que finalmente entendi.
Ajuda abandonar o conceito antigo de que o cérebro
representa “coisas”: as sensações geradas passivamente por tudo aquilo que nos
toca de alguma forma pelos sentidos.
Pelo contrário, o cérebro é um sistema
proativo, sempre gerando ações motoras, viscerais e mentais.
O que os sentidos fazem é oferecer retorno sobre as
consequências dessas ações. Com os sentidos, o cérebro funciona em alças com o
corpo, num círculo fechado, mas que admite perturbações tanto de fora quanto de
dentro.
O resultado das nossas ações é registrado pelos
sentidos, de fato —a medalha, o bônus, os aplausos.
Mas esse resultado só é
importante por causa da sensação de controle e sucesso que premia, confirma e
reforça aqueles circuitos que geraram a ação bem executada.
Com a prática, que se acumula constantemente desde
que nascemos, os sistemas em alças fechadas do cérebro vão aprendendo até mesmo
a antecipar as consequências das suas próprias ações iminentes.
A essa altura,
o retorno sensorial da ação bem executada não é mais novidade, e sim apenas a
confirmação, já esperada, de que a ação foi de fato...bem executada.
Mas sensações que o cérebro aprende a antecipar
passam a ser ativamente abafadas, o que automaticamente mantém o cérebro
antenado em relação a novidades, ao desconhecido, que dessa forma sempre atrai
a atenção das nossas ações.
Acontece que, ao mesmo tempo, outros sistemas em
paralelo simultaneamente mantêm um registro do
esforço que antecede o retorno daquela ação.
O que fazemos a cada momento é o resultado de uma
competição eterna entre todos esses sistemas cerebrais.
Para um sistema
passivo, as coisas importam; mas para um sistema proativo, como o cérebro, são
as consequências das suas ações, e não as coisas ao seu redor, que importam.
Resultado: o prazer está na procura. Há muito mais
promessa de prazer em investir esforços em tentar e conquistar novas ações do
que repetir o que já se sabe que funciona.
Que é o que nos leva a aprender xadrez, quando o
jogo de damas é conquistado e perde a graça, ou buscar a Lua, quando ter os pés
na Terra já não é mais suficiente. Que bom que é assim, ou não teríamos
chegado aqui.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - Bióloga e neurocientista
da Universidade Vanderbilt (EUA).