É preciso acabar com a infância na frente do celular


É preciso acabar com a infância na frente do celular

Psicólogo mostra relação entre epidemia de problemas de saúde mental e excesso de tempo em frente às telas

Muitos pais ficam encantados ao ver os filhos com menos de 2 anos mexendo no celular. 

Na visão do psicólogo Jonathan Haidt, professor da NYU e autor do livro "Geração Ansiosa", esses pais deveriam ficar na verdade horrorizados.

Haidt aponta que há uma epidemia de problemas de saúde mental entre crianças e adolescentes. Os números são cruéis. 

Depressão e ansiedade cresceram 50% entre 2010 e 2019 nos EUA. 

Suicídios entre jovens de 10 a 19 anos subiram 48% nesse período. O padrão se repete na Austrália, Canadá, Inglaterra, Suécia e outros.

Aparece também no Brasil. O suicídio de adolescentes de 10 a 19 cresceu 47% entre 2016 e 2021 nos dados da Sociedade Brasileira de Pediatria. 

Não é fácil ser jovem hoje. Solidão é um problema para 46% das garotas e 30% dos garotos nos EUA.

O que deu errado?

Haidt diz que a questão é a infância e a adolescência passada na frente do celular. Foi a partir de 2010 que os smartphones se popularizaram entre jovens e que os números pioraram. Antes disso as taxas eram estáveis. 

O aprendizado escolar também sofreu. Notas de matemática, leitura e ciências despencaram globalmente desde 2010, conforme o exame Pisa.

Afinal, são sete horas por dia de uso do celular nos EUA entre os adolescentes. Nas famílias de baixa renda o número é ainda maior. Eles recebem cerca de 237 notificações diárias (15 por hora acordada). 

Haidt diz que é impossível ter presença desse jeito, incluindo para construção de relações com outras pessoas.

Não é por acaso que serviços de streaming têm hoje a opção de assistir a vídeos em velocidade aumentada, duas ou até quatro vezes mais rápido. 

Para muitos jovens, é insuportável assistir a um filme em velocidade normal.

Ele analisou também outras causas para o problema, como mudanças no comportamento dos pais, pressão social e falta de oportunidades de convívio. 

Sua conclusão, no entanto, é que o fator determinante de fato é o uso do smartphone e similares.

Mas esse uso intensivo não poderia trazer também benefícios? Certamente eles existem. 

Mas a quantidade avassaladora de tempo investido é benéfica muito mais às plataformas do que aos usuários. 

Nas palavras de Haidt, "crianças e adolescentes estão crescendo em um lugar sem história, sem conexão com onde vivem, onde o conteúdo consiste em vídeos de 30 segundos, sem procedência ou autoria, escolhidos pelo algoritmo para hipnotizar quem está assistindo".

Nesse cenário, o que fazer? Haidt propõe quatro ações. 

A primeira é não permitir o uso de smartphones e tablets até os 14 anos. A segunda é não permitir o uso de mídias sociais até os 16 anos. 

A terceira é banir completamente o uso de smartphones nas escolas: exigir que os alunos depositem os celulares na entrada e só retirem na saída.

Vários estudos mostram que a qualidade do aprendizado e convívio melhora com essa medida. 

Por fim, a última sugestão dele é promover mais independência, liberdade para brincar e responsabilidade para crianças e adolescentes. 

De nada adianta suprimir a tecnologia sem aumentar as atividades offline. O que demanda um novo pacto social entre as famílias, escolas e comunidades. 

O que inclui perceber que não há nada de encantador em ver um bebê com celular na mão.

RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Tel: 11 5044-4774/11 5531-2118 | suporte@suporteconsult.com.br