Violência de gênero e intrafamiliar, sofrimento por perdas de
pessoas referenciais e da função tradicional, como esposa e mãe, e depressão
são os principais fatores associados ao suicídio de idosas no Brasil. Esses são
os resultados apontados pelo Estudo compreensivosobre suicídio de mulheres idosas de sete cidades brasileiras,
publicado na última edição
da revista Cadernos de Saúde Pública.
O artigo, desenvolvido pela coordenadora do Centro
Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/ENSP/Fiocruz),
Cecília Minayo, e pela professora da Universidade Veiga de Almeida (UVA),
Fatima Gonçalves Cavalcante, faz parte de uma pesquisa multicêntrica realizada
no Brasil, que analisou 51 casos de suicídio de idosos. Nela, buscou-se
aprofundar 11 casos relativos às mulheres.
De acordo com as autoras da pesquisa, o suicídio é um ato
deliberado de infligir a morte a si próprio. Os riscos para esse tipo de óbito
incluem fatores biológicos, psicológicos, médicos e sociais, segundo a
Organização Mundial da Saúde. O estudo em questão trata, especificamente, e do
ponto de vista qualitativo, do suicídio consumado de mulheres idosas.
Os dados foram recolhidos por meio de autópsias psicossociais,
um tipo de estudo retrospectivo que reconstitui o status da saúde física e
mental e as circunstanciais sociais das pessoas que se suicidaram, a partir de
entrevistas com familiares e informantes próximos às vítimas.
A pesquisa partiu do princípio que os motivos utilizados pelas
mulheres para dar fim a sua vida são, em parte, diferentes dos apresentados
pelos homens. Pesam sobre essas diferenças questões culturais de gênero, que se
expressam no que se costuma chamar "condição feminina".
Segundo as autoras, a violência na infância, intrafamiliar e de
gênero deixam marcas, e há estudos que demonstram a associação entre esse tipo
de violência e suicídio. "Internalizada, a violência mina forças psíquicas
como pulsão, e sem mediação interfere nas relações interpessoais e sociais e
realimenta traumas. As marcas dessas vivências podem suscitar ideias e
consumação de suicídios", explicaram.
Cultura patriarcal é fator determinante para o suicídio de idosas
Os resultados da pesquisa apontaram que em 9 dos 11 casos
estudados, as mulheres idosas se suicidaram após terem vivido a condição feminina
ditada pela cultura patriarcal. Ao dar cabo à própria vida, várias mulheres
pareciam ter cumprido o destino e optaram pela morte autoinfligida após terem a
certeza de que o haviam executado rigorosamente, sugere o estudo.
“A frase: ‘Agora que meu caçula se casou posso morrer feliz’,
dita por uma senhora que meses depois tirou a própria vida, soa como testemunho
desse rígido desempenho da função da mulher na relação conjugal e familiar
tradicional”, consideraram Cecília e Simone.
Doenças degenerativas e comorbidades, violência de gênero e
intrafamiliar, engessamento do papel de gênero e perdas referenciais, são
processos que estão associados, sobretudo, com depressão como reação ou quadro
mórbido, em um efeito cumulativo de danos e vulnerabilidades.
Segundo o estudo, ao contrário de um tipo de literatura que
considera as mulheres ineptas a executarem um plano suicida, os resultados do
Estudo compreensivo sobre suicídio de mulheres idosas de sete cidades
brasileiras mostram que elas testam métodos e, até clinicamente debilitadas,
conseguem ser exitosas em antecipar seu fim.
Para Cecília e Simone, a questão de gênero é um elemento
preditivo das mortes autoinfligidas na velhice. Sua importância não se deve
apenas ao fato das maiores taxas de suicídio corresponderem ao grupo masculino
no caso brasileiro e mundial. Deve-se também a existência de características
que são, em parte, semelhantes e em parte diferentes entre homens e mulheres,
já que o peso da socialização se manifesta tanto na vida quanto na morte.
Para os homens os fatores econômicos, principalmente o momento
da aposentadoria, a mudança de status de poder fora e dentro da família, e a
viuvez, constituem as bases dos sentimentos de perda e do movimento de dar cabo
à vida. Para as mulheres, são as perdas afetivas e ambientais e as doenças que
as impedem de exercer cuidados para com a família, aquilo que mais está
associado às características de suas mortes autoinfligidas.
“As diferenças de gênero têm implicações nas estratégias de
prevenção, no caso das mulheres, ajudá-las a desenvolver a autodeterminação e
talentos pessoais e derivá-los para fora da família, além de incentivar sua
inserção em diversas atividades comunitárias, constitui as bases da prevenção
primária. É fundamental também uma atitude compreensiva e retributiva dos
familiares, cuidando delas quando doentes ou dependentes com o mesmo carinho
com que os trataram, para que não se sintam um peso para filhos e parentes”,
destacaram.
Para elas, o médico é uma figura chave, sobretudo, quando os
idosos sofrem de doenças degenerativas ou estão deprimidos. “Dado o avanço do
envelhecimento populacional, é importante educar o médico e os outros
profissionais de saúde para que reconheçam os sinais de ideação e planos de
suicídio pensado pelos idosos, capacitando-os a indicar fontes de apoio ou a
oferecer ajuda adequada”, concluíram as autoras.
Fonte: ENSP, em 22/01/2014. Disponível em: http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/34538