O Senado está dando início à instalação de uma CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar o jogo Baleia Azul. Não se
engane. Essa movimentação nada tem a ver com a prevenção de suicídios ou a
proteção de crianças e adolescentes. Tem a ver sim com a tentativa de controlar
a internet no Brasil.
A CPI prestes a ser instalada não é contra a Baleia
Azul. É contra todos os que usam a internet no país para criticar políticos.
Como não seria aceitável instalar uma CPI para apurar "críticas realizadas
aos políticos pelos cidadãos", usa-se o subterfúgio da proteção das
crianças e adolescentes —prática que já está ficando manjada— para fazer andar
a tentativa de censurar a rede.
A agenda de controle da internet no Brasil
infelizmente permanece entre nós. Ela foi fortemente defendida, por exemplo,
pelo ex-deputado Eduardo Cunha, que conseguiu articular toda uma geração de
projetos de lei com essa finalidade. Nenhum foi aprovado ainda, mas vários
avançam a passos largos. Sempre que algum "pânico moral" relativo à
rede ganha força, a tentativa de controlar a internet no país pega carona.
Felizmente, a legislação brasileira contra crimes
na internet foi completamente reformulada. Tivemos a CPI da Pirataria, que
levou à reforma do Código Penal e de Processo Penal. O mesmo ocorreu com a CPI
da Pedofilia, que criou uma legislação adequada e suficiente para proteger
crianças e adolescentes on-line.
Por sua vez, o Marco Civil criou em 2014 as
ferramentas necessárias para identificar criminosos que atuam na rede, sempre
com a supervisão do Poder Judiciário. Essas leis são mais do que suficientes
para investigar, encontrar e processar quem organiza o jogo Baleia Azul.
O suicídio é uma questão que me toca pessoalmente.
Já perdi pessoas próximas por essa razão. Já até apoiei organizações que
trabalham na prevenção. No entanto, a causa do suicídio nunca é um jogo, um
livro, um filme ou uma música. O que leva a pessoa a tirar a própria vida é um
conjunto complexo de fatores, que vão do desamparo social ao desequilíbrio químico
cerebral (há inúmeros estudos correlacionando níveis de neurotransmissores com
propensão ao suicídio).
Em outras palavras, para combater essa tragédia, é
preciso lidar com suas causas, e não com a superfície problema. Todo o esforço
que estamos gastando com a Baleia Azul seria mais bem empregado apoiando
organizações que efetivamente previnem o suicídio e amparam crianças e
adolescentes na rede, como o CVV ou a Safernet.
Por essa razão, deputados e senadores fariam melhor
com seu tempo criando uma frente parlamentar para fomentar a inovação na
internet, promovendo a criação de empregos e ajudando a fomentar a economia do
conhecimento no Brasil. Se receberem críticas, respondam a elas. A internet,
por enquanto, ainda está aberta para todos
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em
direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte: coluna jornal FSP