Seja
prudente na projeção do juro real líquido; não dependa do rumo da
economia
A coluna da semana passada deu o que falar. Volto ao
assunto para explicar por que adotei a premissa de 0,20% ao mês para estimar a
taxa de juros real líquida, ou seja, depois dos descontos da inflação, dos
custos envolvidos e dos 15% de Imposto de Renda.
Teve gente que achou muito e quer saber onde investir
para ganhar tudo isso. Outros acharam pouco e sugerem rentabilidade de 0,5% ao
mês, perspectiva que torna tudo mais fácil, que reduz significativamente o
desafio de atingir a meta.
Antes de avançar, vamos localizar os fatos em uma linha
imaginária de tempo e dividir a vida em duas fases, antes e depois da
aposentadoria, a fase de investimento (acumulação do capital) e a fase de
desinvestimento (retiradas até o final da vida).
Na primeira fase (dos 20 aos 60 anos), estamos ativos,
trabalhando, gerando renda, investindo e acumulando o patrimônio que irá nos
sustentar na aposentadoria. Nessa fase, podemos correr risco nos investimentos,
respeitando o nível de tolerância de cada um, para tentar acelerar a formação
de riqueza. Nessa fase estamos vivendo o presente, as variáveis econômicas,
mais previsíveis (ou não).
Nessa fase de acumulação, e somente nessa fase, é
possível estimar rentabilidade real líquida de 0,5% ao mês? Não o brasileiro
típico que investe somente em renda fixa e, na maioria das vezes, na poupança.
Os investidores mais agressivos podem adotar a rentabilidade histórica de sua
carteira de investimento lembrando que o desempenho passado não vai se repetir.
Se as coisas não saírem como planejado e considerando que temos o tempo a nosso
favor, podemos corrigir as premissas e ajustar o planejamento ao longo do
tempo.
Na segunda fase (dos 60 em diante), a da aposentadoria,
chegou a hora de gastar o dinheiro que guardamos e o objetivo do investimento é
um só: fazer o patrimônio durar pelo maior tempo possível. É ele que irá prover
ou complementar nossa subsistência. Terá início a fase do desinvestimento, em
que serão feitos saques regulares para substituir a renda antes proveniente do
trabalho.
Se antes era aceitável algum risco nos investimentos,
deixou de ser. O objetivo agora não é correr risco para ganhar mais. Mesmo os
que arriscaram na fase de acumulação deixam de arriscar porque o objetivo agora
é preservar o capital, e o horizonte de tempo é mais curto.
A vilã a ser batida é a inflação. Essa é a meta a ser
superada para assegurar o poder de compra do dinheiro daqui a muitos anos. De
que inflação estamos falando? Da sua, da inflação da sua cesta de consumo na
fase da aposentadoria, com tendência de consumir mais saúde e lazer, segmentos
pouco captados pelo IPCA, que, embora imperfeito, é o índice que adotaremos
para seguir com a simulação.
Como o passado é a única amostra disponível, calculei a
taxa de juros real de 2008 a 2017, Selic x IPCA, e apurei taxa média anual
bruta de 4,65%. Deduzidos custos transacionais de 1% ao ano e Imposto de Renda
de 15%, temos taxa real líquida de 3,10% ao ano e de 0,26% ao mês. Esse foi o
prêmio que o Brasil pagou nos últimos dez anos. Quanto vai pagar nos próximos
30, 40 anos? Alguém se atreve a dizer que será maior? Ou maiores as chances de
ser menor?
Se o país entrar nos eixos (tomara que sim), esse prêmio
tende a cair. Quer arriscar? Projete 0,25% ao mês. Mas não se esqueça de que
uma estratégia vencedora pode levar anos para ser alcançada, e na fase de
desinvestimento, infelizmente, não teremos mais esse tempo. Esse bem, precioso
e finito, estará se esgotando.
Onde investir para obter esse retorno? Volto a dizer que
estamos falando da fase de desinvestimento, fase que não aceita risco, fase
cujo horizonte de tempo está reduzido, fase em que os atributos de segurança e
liquidez se sobrepõem à rentabilidade. Portanto, investir conservadoramente em
renda fixa, títulos públicos, depósitos bancários, fundos de investimento,
planos de previdência. A fatia de investimentos mais arriscados, se houver,
será reduzida, com tendência a zerar.
Os
custos e os impostos serão gerenciados com mãos de ferro. Excluída a inflação,
deles dependerá a sua rentabilidade líquida e a longevidade de seu patrimônio.
Marcia
Dessen - planejadora financeira pessoal,
diretora do Planejar e autora do livro 'Finanças Pessoais: o que Fazer com Meu
Dinheiro'.
Fonte:
coluna jornal FSP