Adeus, 2016. Que venha 2017!


2016 vai embora sem deixar saudades. Infindáveis escândalos de corrupção, impeachment presidencial, desemprego e déficit público recordes, substancial queda do PIB marcaram um ano muito difícil para os brasileiros. O cenário externo não foi mais positivo, com a ascensão de movimentos xenófobos e separatistas nos países desenvolvidos que aumentam as incertezas. Baixo crescimento econômico, concentração de renda e, por consequência, generalizada e justificada insatisfação popular com a classe política abriram espaço para mudanças, o que poderia ser bom, mas até agora este espaço tem sido ocupado por populistas de esquerda e, principalmente, de direita.

No entanto, ao menos no Brasil, abaixo da superfície conturbada, sementes importantes de transformações potencialmente positivas foram plantadas.

A mais óbvia, mas talvez também a ainda mais frágil, é a do incipiente movimento de combate à corrupção e à impunidade que, pela primeira vez, mobilizou a sociedade brasileira. Além disso, com o impeachment, vieram mudanças substanciais na política econômica, reforçando os fundamentos e a confiança na economia brasileira. A balança comercial registrou superávit recorde, os indicadores de confiança de consumidores e empresários começaram a reagir e o país voltou a atrair capitais de brasileiros e estrangeiros. Com isso, o dólar caiu e o real se valorizou, ajudando a baratear produtos estrangeiros por aqui. A queda do dólar e a fragilidade do consumo em função do alto desemprego fizeram a inflação cair. A queda da inflação permitiu que o Banco Central iniciasse um processo de redução da taxa de juros que, não havendo uma crise externa ou a reversão do avanço das reformas no Congresso, deve continuar em 2017 e 2018. A redução da taxa de juros, por sua vez, permitirá a retomada do crédito. Com juros mais baixos e mais crédito, teremos mais consumo, mais investimentos por parte das empresas e, finalmente, mais empregos e mais crescimento econômico.

Nada disso fará de 2017 um ano maravilhoso. O consenso de mercado, medido por uma sondagem feita pelo Banco Central com mais de 100 economistas, o relatório Focus, aponta expectativas de crescimento do PIB próximo a apenas 1% no ano que vem. O ponto importante, no entanto, é a inversão de tendência com relação aos últimos anos. Pela primeira vez em sete anos, portanto desde a posse da ex-presidente Dilma Roussef para seu primeiro mandato, as expectativas de crescimento para o ano seguinte são maiores do que eram as expectativas de crescimento para o ano que acaba ao final do ano anterior. Mais do que isso, caso não haja uma crise externa e a PEC do teto dos gastos públicos e a Reforma da Previdência sejam aprovadas, permitindo o ajuste das contas públicas, o que afastaria temores quanto à solvência brasileira e permitiria a retomada de investimentos, emprego e consumo, as expectativas devem continuar a melhorar nos próximos anos e a melhora efetiva da economia deve ser ainda maior do que a das expectativas, como o que aconteceu nos anos Lula, com exceção de 2009, ano de uma crise internacional.

Dois fatores podem postergar a entrada do Brasil em um novo círculo virtuoso do crescimento econômico nos próximos anos, fazendo com que, antes disso, a atividade econômica possa piorar ainda mais. O primeiro é uma eventual crise externa que pode causar mais um ano de recessão, como aconteceu em 2009, mesmo que a economia brasileira avance nas reformas. Uma crise assim diminuiria a disponibilidade de capitais para o país, causando uma alta significativa do dólar. Tal alta encareceria produtos estrangeiros e reverteria a queda da inflação, forçando o Banco Central a postergar o movimento de redução das taxas de juros, que é um dos gatilhos fundamentais para que um novo ciclo virtuoso se estabeleça na economia brasileira. É importante notar que, desde a eleição de Donald Trump, o dólar que estava em queda no Brasil e no mundo desde o começo do ano, reverteu a tendência e subiu em resposta a uma significativa elevação da taxa de juros praticada no mercado devido à expectativa de mais inflação e déficit fiscal nos EUA. É cedo para ter certeza se isto será apenas um movimento isolado ou o início de um movimento maior. No entanto, se Trump cumprir as promessas de aumentar os gastos em infraestrutura e cortar os impostos – aumentando o déficit público americano; taxar produtos vindos da China e do México – encarecendo os produtos nos EUA; e renegociar a dívida pública americana – assustando credores, que passariam a exigir uma remuneração maior para financiar o crescente déficit do governo americano - tanto os juros nos EUA quanto o dólar ainda podem subir muito, causando uma nova crise global.

O segundo risco é um agravamento da crise política no Brasil à medida que o número de políticos investigados por corrupção e caixa 2 no financiamento de campanhas não para de aumentar. O confronto entre o Legislativo e o Judiciário torna-se cada vez mais explícito, com potenciais impactos na popularidade e no apoio político ao governo Temer e ao próprio andamento da ação no TSE que pede a cassação da chapa Dilma-Temer nas eleições de 2014. O ponto fundamental a monitorar é se alguma destas turbulências provoca uma paralisia da agenda de reformas no Congresso, principalmente a PEC 55 e a Reforma da Previdência. Apesar de todas as tensões que já afloraram e ainda devem emergir, isto não aconteceu até agora e, talvez não aconteça, pelo menos não a tempo de impedir a aprovação das reformas fiscais, que deveriam ocorrer antes do final do primeiro semestre. Para entender por que, é preciso recordar a estratégia adotada por Temer para formar seu governo e sua base de apoio no Congresso.

Antes de sua posse, dizia-se que Temer formaria um ministério de notáveis. Na prática, os notáveis só foram para o Ministério da Fazenda. De resto, Temer distribuiu ministérios a deputados e senadores para garantir o apoio no Congresso tanto ao impeachment quanto às medidas na economia que exigem aprovação no Congresso. Desde então, o Congresso aprovou tudo o que ele queria, com bastante folga. Por outro lado, em busca de apoio no Congresso, mas com mais da metade dos congressistas hoje sob alguma investigação judicial – e isto antes da delação de Marcelo Odebrecht vir à tona e aumentar muito este número – Temer abrigou em seu ministério vários fichas sujas, incitando a ira da população. O grande desafio de Temer é apaziguar a opinião pública, fritando ministros envolvidos em escândalos, mas ao mesmo tempo manter a sólida base de apoio que construiu no Congresso ao menos até aprovar as reformas necessárias para colocar a economia brasileira novamente em rota de crescimento.

Em resumo, 2017 será mais um ano de fortes emoções e que pode até ser bastante difícil. Porém, considerando-se que, nos últimos três anos, a economia brasileira viveu sua mais profunda depressão econômica desde 1900, os próximos anos mostram-se muito mais promissores.

Ricardo Amorim – economista, apresentador do Manhattan Connection da Globonews. 

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