Completada a primeira fase do processo de escolha de novos chefes de governo (estaduais e federal) assim como dos respectivos legisladores, já é possível discernir alguns itens a serem incorporados a um debate sobre a desejada reforma eleitoral.
O chamado “horário eleitoral gratuito” instituído em 1965, no primeiro ano da ditadura militar, exige atualizações, sobretudo no tocante à sua depuração, limitando-se a crescente influência do marketing e dos recursos extrapolíticos. Normatizar e equilibrar o “tempo de antena” de partidos e candidatos não é suficiente para manter o caráter democrático e isonômico da disputa.
A atual espetacularização da propaganda política esvazia a apresentação de propostas conceituais, programáticas, e enganosamente valoriza a embalagem em detrimento do conteúdo das mensagens. Com isso mantém-se e se incrementa a assimetria que sempre se pretendeu evitar. Mesmo que doações para partidos e postulantes continuem sendo feitas por empresas e não por pessoas físicas – como seria desejável – a crescentemarquetização do processo eleitoral só aumenta e pereniza as desigualdades, distorções e deformações dentro do Estado de Direito.
Mantido a instituto da reeleição conviria que se introduzissem algumas ressalvas, sobretudo na disputa para a chefia do Estado. Presidir reeleições na instância mais alta da República exigirá uma separação mais rigorosa entre a atuação do candidato e a do governante. A prática atual é cosmética: a exigência de que os atos de campanha do candidato sejam realizados fora do expediente do governante é mera formalidade. Assim também a utilização para atos eleitorais da residência oficial ou gabinete de despachos. Um avanço efetivo nesta separação poderia ser implementado por meio do licenciamento do candidato pelo prazo de 30 dias e, no caso do segundo turno, outros 30 dias. Para isso existem vice-presidentes, vice-governadores, presidentes de assembleias legislativas ou câmaras municipais.
Imparcialidade enganosa
Mais importante do que reformas radicais, espetaculares, geralmente inalcançáveis, seria a adoção de um sistema de alterações pontuais, regulares, através de consultas diretas ao eleitorado propostas pelo Legislativo, dois anos depois de cada pleito. O processo se tornaria naturalmente dinâmico, progressivo e a sede por mudanças aplacada com naturalidade, sem traumas.
Porém, o mais importante para a plenitude democrática seria uma imprensa mais adulta, mais bem preparada para evitar abusos. Inclusive os seus próprios. Exigir isenção equivale a ignorar a falibilidade do ser humano que jamais será seja corrigida. Como prova aí estão as religiões – todas as religiões – igualmente incapazes de conscientizar os fiéis para a virtude.
O que se espera de um poder-sem-poder como a imprensa é a consciência da sua singularidade. De nada adiantam as enganosas imparcialidades construídas na base da infame alternância de parcialidades. Assumir posições não é pecado. Pecado é ignorar que, de alguma forma, elas possam ser consensuais.
Escola do voto
Por misericórdia! É preciso explicar aos jovens repórteres que as escolas onde geralmente estão instaladas as urnas não são “colégios eleitorais”. Segundo a Wikipédia, um “colégio eleitoral” é um órgão formado por um conjunto de cidadãos com o poder de um corpo deliberativo para eleger alguém a um determinado cargo. Durante a ditadura militar os colégios eleitorais eram as assembléias legislativas que escolhiam indiretamente os chefes do executivo. O colégio eleitoral dos Estados Unidos é composto pelos delegados escolhidos pelos estados de acordo com o tamanho da sua população. O colégio eleitoral da Academia Brasileira de Letras é composto pelos acadêmicos (vivos ou que se imaginam vivos).
Alberto Dines – jornalista, escritor, dirigiu e lançou diversas revistas e jornais no Brasil e em Portugal, foi editor –chefe do Jornal do Brasil, criou o site Observatório da Imprensa, é pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp.
Fonte: site Observatório da Imprensa