Consumir é bom demais! Para
muitos, comprar significa ter as coisas que todo o mundo já tem e ainda não
tínhamos! Para alguns, ser o primeiro a ter o que ninguém tem. Em ambos os
casos a prazerosa sensação de poder, de realização, é grande.
O que pouca gente faz é
perguntar a si mesmo, antes de consumir, como vai pagar a compra que acaba de
fazer. Não me refiro ao meio de pagamento, cartão de crédito, cheque, carnê.
Nem à forma de pagamento, se à vista ou parcelado. Pergunto com que dinheiro
vai pagar.
Tem dinheiro guardado para
pagar a conta ou vai assumir mais uma dívida, comprar agora e pagar depois? Se
optar pela dívida, tem espaço no orçamento para assumir uma nova prestação? Se
não tem, que despesa vai reduzir ou cortar para dar conta do pagamento?
A enorme quantidade de pessoas
e famílias enroladas com dívidas em atraso, algumas impagáveis, sugere que a
pergunta não foi feita ou ficou sem resposta. Muita gente não pensou porque já
sabia que a resposta seria não. E negar significa desistir, admitir a si mesmo
que não pode, que não está ao seu alcance. Ou adiar os planos, sabe-se lá por
quanto tempo. Melhor nem perguntar.
A aparente solução aparece logo
na nossa mente: pagar com o cartão de crédito e parcelar em muitas vezes, sem
juros! "Uma prestação pequena eu consigo pagar", dizemos a nós
mesmos, pegando um atalho mental que sinaliza a possibilidade de realizar o
desejo de consumo.
Muita gente não faz conta antes
de comprar, porque não sabe ou prefere não saber. A decisão é tomada com base
na crença de que será capaz de pagar o valor da parcela. Foi assim que Mauro
comprou o smartphone dos sonhos. Pagar à vista, R$ 3.500, nem pensar. O bondoso
vendedor, que maravilha, aceita cartão de crédito e parcela em dez vezes, sem
juros! Assim foi feito.
Cerca de 30 dias depois, Mauro
recebe a fatura do cartão. Lá estava a primeira parcela do smartphone, somada a
um monte de outras compras, parceladas ou não, de que ele nem lembrava mais. O
valor total da fatura é R$ 5.000, dinheiro de que Mauro nem sonha dispor. O jeito
é pagar a parcela mínima, de R$ 750,00, e deixar o resto pra depois.
Vamos fazer as contas que ele
preferiu não fazer. Para isso, vamos congelar o cartão de Mauro e fazer de
conta que ele não comprou mais nada. Tem um saldo devedor de R$ 4.250, sobre os
quais pagará juros de 15% ao mês. Ele não tem ideia de quanto isso significa,
em dinheiro.
O saldo devedor da próxima
fatura será R$ 4.887,50, juros de R$ 637,50 mais o saldo devedor anterior. O
que está pagando de juros, enriquecendo a administradora do cartão, é quase
suficiente para pagar a segunda e a terceira prestação do smartphone! Como não
se preparou para essa despesa, pagará novamente a parcela mínima de R$ 733,12,
deixando o saldo devedor de R$ 4.154,37 para o próximo mês.
A fatura do mês seguinte chega
com um saldo devedor de R$ 4.777,53. Mais R$ 623,15 de juros! Mauro não está
entendendo nada; comprou tudo parcelado, sem juros. Como pode? Sem juros se a
fatura for totalmente paga, no venci- mento. Como optou pela parcela mínima,
pagará juros altíssimos sobre todas as compras, parceladas ou não.
Ao final de seis meses, terá
pago seis parcelas do financiamento do cartão, totalizando R$ 4.254,34. Desse
valor, R$ 3.047,25 são juros! A dívida propriamente dita diminuiu apenas R$
1.200. Ao final de um ano, terá desembolsado R$ 7.965,70, dos quais R$ 6.274
são juros, e ainda terá um saldo devedor de R$ 3.308! Como a taxa de juros é
muito alta e o valor que consegue pagar mensalmente é pequeno, o saldo devedor
diminui muito pouco. Ele paga, paga e continua devendo; o pesadelo da
multiplicação da dívida.
Se Mauro continuar comprando, a
dívida assumirá proporções inimagináveis, e o financeiro será apenas um dos
seus problemas. Saúde, trabalho, família certamente serão afetados. Ele
aprendeu, do jeito mais difícil, que cartão de crédito não é dinheiro e,
disposto a mudar, está repensando seus hábitos de consumo.
Marcia Dessen - planejadora financeira pessoal,
diretora do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais
Financeiros) e autora do livro "Finanças Pessoais: o que fazer com meu
dinheiro" (Trevisan Editora, 2014)
Fonte: coluna no jornal FSP