Começo
este artigo com uma pergunta. E seja honesto (a). Em qualquer situação da sua
vida, qualquer uma, assinale o que você prefere sentir:
( ) conforto
( ) desconforto
Se
você for uma pessoa mais ou menos normal, vai ter assinalado a primeira
resposta. Ou seja, nós, seres humanos, buscamos em nossas vidas elevar o nosso
conforto em toda e qualquer circunstância. Mas não se confunda: mesmo quem entende
que o desconforto serve como aprendizado, o seu propósito, no final das contas,
é sentir-se uma pessoa melhor. E isso é conforto. Mesmo você, sadomasoquista,
sente algum tipo de prazer psicológico na dor, portanto tomar uns sopapos é, na
real, um momento repleto de conforto.
A
criatividade existe para nos oferecer mais conforto
Tudo,
absolutamente tudo o que o ser humano criou e que deu certo, ou seja, que foi
relevante para um grupo social em sua época e lugar, está relacionado à busca
pela ampliação de conforto.
Só
para citar alguns exemplos, a roda ajudou a carregar pesos e acelerar o
movimento: conforto. Ferramentas ajudaram na caça, na manipulação de materiais
e na defesa do grupo: conforto. Cerâmica ajudou no acondicionamento de
alimentos e líquidos: conforto.
Roupas,
alfabeto, números, línguas, calendário, construções, armas, barcos, fósforos,
telefone, televisão, óculos, relógio, carro, ar condicionado, avião, internet e
milhões de outros objetos e conceitos que só foram adiante porque produziram e
produzem conforto ao ser humano. E quando digo conforto, não é apenas o físico,
mas o mental e o espiritual.
Repito:
tudo, 100% das ideias bem-sucedidas na história da humanidade estão
relacionadas ao aumento de conforto. Pode pensar aí que não vai encontrar nada
que contrarie esta afirmação. Mas se encontrar, escreva nos comentários e eu
vou lhe mostrar onde está o conforto.
Não
há como escapar do desejo por mais e mais conforto
Você
quer algo mais confortável do que o controle remoto? Quando era criança, eu
fazia o papel de controle remoto lá em casa. “Vai lá e troca de canal!” –
vociferava meu pai. E lá ia o pequeno Henrique virar o seletor de uma pequena
TV em branco e preto com uma película plástica translúcida afixada à sua tela,
colorida como aquelas barras que aparecem antes de começar um vídeo. Acho que
era para esnobar a vizinhança dizendo que tínhamos uma TV colorida. Apesar da
sensação de sermos pessoas superiores, gente diferenciada – uma clara
manifestação de conforto – esta invenção de gosto e utilidade duvidosa,
obviamente não durou muito. E foi colorir o nosso lixo.
Imagine
como era a vida há dez anos. Vinte. Cinquenta. Cem. Quinhentos. Mil. Nós
mesmos, como animais complexos, mudamos muito pouco. O que mudou de verdade foi
nosso entorno. As ferramentas que criamos para ampliar nosso conforto. Arrancar
um dente antes da invenção da anestesia devia ser uma experiência
transcendental. Arrumar uma infecção antes do descobrimento da penicilina idem.
O vaso sanitário, neste contexto, tem o seu lugar garantido em nossa lista de
confortos prediletos.
Quer
fazer sucesso? Ofereça conforto
Todas
as pessoas que tentam criar algum produto ou serviço de sucesso, estão, na
verdade, procurando mais uma forma de promover conforto às pessoas. Se o
conforto não for percebido, qualquer ideia vai morrer rápido. Ou nascer morta.
Está
confortável com este texto?
Notou
que eu disse “percebido”? Pois é, o conforto não precisa sequer ser real. Basta
as pessoas acreditarem que ele está presente. É só você prestar atenção à
propaganda e ao marketing que vai compreender. E ao compreender, vai se sentir
inteligente e isso vai gerar conforto psicológico. E é essa a intenção deste
texto. Promover conforto a você, leitor, para que goste de mim, curta meu
trabalho e o compartilhe em todas as suas redes sociais, dando uma caprichada
nos elogios. Nada me traria mais conforto.
Queremos conforto, mesmo que precisemos ficar desconfortáveis
O
conforto não está associado literalmente à invenção, mas ao propósito que ela
enseja. Até o trabalho é um provedor de conforto. Não, eu não estou louco.
Trabalhamos com o propósito de ganhar dinheiro para que possamos usufruir das
coisas que nos geram conforto. A realização profissional também pode se
encaixar neste cenário.
Outro
exemplo: o salto alto. Apesar de algumas mulheres (ou quem mais esteja disposto
a usá-lo) de fato sentirem-se confortáveis com esse artefato, a maioria sofre,
mas mantém-se fiel e altiva. O motivo mais óbvio é que o salto alto deixa a
pessoa se sentindo mais alta, mais elegante e, portanto, com a autoestima
elevada. Conforto.
O
que move o homem é o desejo de não se mover um dia
A
tecnologia está alimentando essa obsessão por conforto de forma tão acelerada
que logo não sairemos do lugar nem para ir buscar o prêmio da Mega da Virada.
Não precisaremos mais de nossos corpos. Seremos cérebros em redomas de vidro
vivendo uma vida totalmente virtual.
A
tecnologia alimenta nossas contradições
Tenho
um carro muito moderno. Altíssima tecnologia. Aciono seu motor à distância. Ele
me conhece e abre as portas quando me aproximo. Acho que conhece meu cheiro,
não sei. Sento e ele, simpaticamente, afivela o cinto de segurança. Se está
chovendo, ele aciona o limpador. Se está escuro, acende os faróis. Não preciso
tirar as mãos do volante para nada. Ele conversa comigo e tem um bom papo.
Chega a me dar bons conselhos. O volante é tão macio que parece que está solto
no ar, girando no vazio. Tem um sistema anti-colisão. Mesmo que eu me distraia,
não há como causar nenhum tipo de acidente. Mas, se por uma infelicidade isso
acontecer, 220 airbags envolverão carinhosamente todo meu corpo.
Uso
essa maravilha da engenharia para ir todo dia à academia. Para quê? Para quase
me matar de tanto fazer força e estimular meu corpo fisicamente. Saio morto e
com o corpo doido. Depois volto para meu carro e não movo um músculo sequer até
chegar em casa. Apenas os do rosto, responsáveis por construir meu largo
sorriso.
A
academia de ginástica é uma invenção recente. Antigamente não havia
necessidade. Existia uma maneira muito mais barata e prática de trabalhar
nossos músculos: chamava-se Brasília. Cada conversão era um esforço fenomenal,
estimulando o Músculo Radial Externo e o Longo Supinador. O câmbio era duro e
impreciso, trabalhando com eficiência o Deltoide e o Trapézio. As janelas
estavam sempre emperradas, ideais para mexer com o Bíceps e o Peitoral. O freio
parecia o do Fred Flintstone, tamanho o esforço para travar as rodas, dando uma
excelente forma ao Tibial Anterior e Extensor Longo do Hálux . E quando alguém
para quem você dava carona deixava o vidro aberto? Uma beleza de trabalho no
Tríceps e no Oblíquo Externo. Dirigir uma Brasília era a perfeita representação
da expressão “puxar ferro”. Era só encher o tanque e mandar ver.
O
conforto ainda vai nos matar
O
cobertor da natureza é sempre curto. A exponencial evolução tecnológica,
patrocinada pela sanha desenfreada do homem em busca do conforto, está criando
um perigoso desequilíbrio. Nosso corpo não foi feito para ser tão poupado de
esforços. E quanto mais conforto adquirirmos, mais problemas ele terá para se
adaptar. É como um vulcão. O excesso de energia acumulada em seu interior gera
uma imensa pressão até que a cratera não resista e se rompa. No nosso
organismo, a erupção se manifesta por meio de doenças das mais diversas,
resultado do aumento de colesterol, da pressão sanguínea, do açúcar e etc. E
todas são potencialmente fatais. Só existem duas maneiras de resolver isso:
comendo proporcionalmente menos ou dissipando esta energia excedente por meio
de exercícios físicos. Numa academia ou ao volante de uma Brasília.
LUCIANO
PIRES:
palestrante, escritor