Réquiem para o telefone


Réquiem para o telefone

No Brasil até outro dia, famílias iam aos tribunais por causa dele.

Se você, como eu, ainda é usuário de um exótico telefone fixo, sabe do que estou falando. É raro alguém atender às nossas ligações. 

Com razão: chamadas de telefones fixos tornaram-se sinônimo de telemarketing. Eu próprio, quando recebo uma, só a custo consigo manter certo humor. Digo: "Desculpe, minha filha. 

Não posso falar com você agora. Vovó acaba de falecer aos 99 anos". 

E, quando a moça se desmancha em "Oh! Meus pêsames!", acrescento: "Obrigado. Ela morreu de parto". E levo uma desligada rápida.

Da mesma forma, sei que até os telefonemas de celular para celular passaram a ser ignorados. 

As pessoas hoje só se comunicam por WhatsApp. 

É o fim do telefone, depois de quase 150 anos de grandes serviços prestados. 

Em breve ninguém acreditará que, até cerca de 1990, ele era um dos bens mais valiosos do Brasil —famílias iam aos tribunais por uma linha ou um aparelho.

Um telefone correspondia a xis ações da companhia telefônica. Era obrigatório declará-lo no imposto de renda. 

Comprá-lo levava séculos —uma linha demorava tanto para sair que podia-se morrer de velhice esperando. 

Entrava-se em consórcios para adquiri-lo e as pessoas davam festas ao serem sorteadas. 

Os testamentos o incluíam entre os bens do inventariante, junto com o carro ou o apartamento.

 E, nos divórcios, era tão disputado que, às vezes, o casal desistia da separação —valia a pena continuar aturando o cônjuge para não perder o telefone.

Com cruel frequência, Paulo Francis escrevia em sua coluna na Folha nos anos 80 que, em Nova York, onde ele morava, um telefone era a coisa mais fácil do mundo. 

Ligava-se do orelhão para a telefônica e, em uma hora, vinha um sujeito de macacão com um aparelho, plugava-o na tomada e passar bem.

 Morríamos de inveja e nos perguntávamos como podíamos ser tão atrasados.

E, justamente agora que podemos ter isso, não queremos mais saber do telefone.

RUY CASTRO - jornalista

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