Se os investidores continuarem a injetar dinheiro
em fundos passivos atrelados a índices, em algum momento os
mercados deixarão de fazer seu trabalho de distribuir os recursos
eficientemente pela economia. A ameaça é suficientemente grande a ponto de
o maior fundo de pensão do mundo estar se preparando para canalizar um volume
maior de seu dinheiro para a gestão ativa – que cobram mais e, em média,
têm desempenho inferior – na tentativa de manter os mercados funcionando
de forma apropriada.
Hiromichi Mizuno, diretor do Fundo de Pensão do
Governo (GPIF) japonês, que administra US$ 1,4 trilhão, receia que
a eficiência dos mercados seja prejudicada pela ascensão dos fundos
passivos, que dependem das transações feitas pelos investidores ativos
para fixar os preços das ações. Pelo fato de os sinais emitidos pelos
preços de mercado serem vitais para a economia, sinais menos eficientes
prejudicariam o crescimento e levariam os índices de ações a subir menos
do que subiriam em condições normais.
“Somos de longo prazo e um detentor universal,
portanto temos de nos assegurar de que o mercado continue a
ser eficiente”, disse ele. Esse problema aflora com muita frequência
na área de finanças. Faz sentido pegar carona no trabalho de outros,
mas, quando todo mundo perceber isso, não sobrará ninguém para fazer o
trabalho. Nos mercados, essa tarefa é identificar quais empresas se sairão
melhor.
Por que se preocupar, quando é mais fácil e barato
comprar índice? Os que não gostam dos mercados poderão responder que eles
muitas vezes não distribuem capital para as partes certas da economia
devido às bolhas e às crises. Mas ainda pior é nem sequer tentar; como disse um
ano atrás o analista Inigo FraserJenkins,
do AB Bernstein, “o investimento passivo é pior que o marxismo”.
Por enquanto há poucos sinais de que os EUA estejam
sofrendo muito com a rápida ascensão dos fundos de índice. Jack Bogle,
que, como fundador da gestora Vanguard, fez mais do que qualquer outra pessoa
para impulsionar o investimento em fundos de índice, chama a atenção para
o fato de não ter havido qualquer rompimento da relação entre os preços
das ações do índice S&P 500 e o restante do mercado. Se esse tipo de
investimento estivesse de fato afetando os preços, deveria haver um
impacto maior nesses papéis.
“Até agora, tudo indica que o sistema de mercado
está funcionando bastante bem”, disse Bogle. “Quando [o
investimento passivo] alcançar 50%, pode ser que eu queira pensar nisso um
pouco mais, mas não vejo esse problema sequer no horizonte.”
Nos EUA, isso é verdade. Prova disso é que a
agência de classificação de crédito Moody’s Investors Service calcula que
29% dos recursos administrados nos EUA são passivos atualmente. Mas essa
parcela está aumentando de forma acelerada. A Moody’s avalia que os fundos
de índice deterão a maior parte do mercado em 2024.
O Japão está ainda mais avançado na mudança rumo ao
investimento passivo, em parte graças ao Banco do Japão (BC do país), que
detém 14,9 trilhões de ienes (US$ 135 bilhões) em fundos referenciados em
índice, e já comprou mais US$ 4,3 bilhões neste mês. Mizuno acha que
o GPIF – conhecido como “a baleia” por seu tamanho – será imitado por outros no
Japão. Ele está, além disso, redobrando os esforços na escolha das
melhores gestoras ativas, reforçando a equipe de seleção na esperança de
que o maior custo da gestão ativa seja neutralizado pela sua superação da
média do mercado, algo impossível para todas as gestoras ativas
coletivamente.
Mas levará tempo para que essa iniciativa faça a
diferença. As ações em que o GPIF japonês investe têm atualmente 91%
de controle passivo, contando-se aí o dinheiro aplicado nos chamados
fundos “smart beta” (conhecidos como indexação inteligente), que seguem
regras como valor ou transações de “momentum” (estratégia baseada em médias
móveis, que define se uma transação perdeu o impulso ou se tem espaço de
alta).
Por enquanto, os grandes investidores de outros
países demonstram pouca preocupação com os prejuízos que o investimento
passivo possa trazer. Eles devem ter razão ao pensar que poderão tomar carona
nas gestoras ativas por vários anos mais. Mas ninguém sabe em que ponto os
mercados estarão enfraquecidos, ou mesmo como conseguiremos perceber isso.
Elroy Dimson, professor de finanças da London
Business School, disse que, em décadas anteriores, os acadêmicos também se
afligiam com o crescimento da gestão passiva e definiam níveis críticos além
dos quais a prática enfraqueceria o mercado. Mas nós os ultrapassamos
vertiginosamente, sem sinal evidente de problemas. “É puro chute” calcular
isso, disse ele.
A incerteza, por si só, é motivo de cautela. Talvez
a economia de mercado pudesse funcionar bem mesmo se só algumas centenas
de investidores ativos estivessem envolvidos na fixação de preços, mas eu
suspeito que não. A questão de recorrer à sabedoria das multidões é que
isso exige multidão, e, quanto menor for a multidão, menor tenderá a ser sua
eficiência.
Está na hora de outros grandes investidores
começarem a pensar como o GPIF, porque, se a ascensão dos
investimentos passivos minar o crescimento econômico, vai prejudicar muito
mais suas carteiras do que o pouco de desempenho abaixo da média da gestão
ativa.
Fonte: Valor Econômico