Primeiro se dizia que as células da glia apenas faziam o
"enchimento" do cérebro –hoje se sabe que elas são essenciais para
ensinar neurônios a falar uns com os outros, e depois manter a comunicação em
nível razoável, sem berros, um mecanismo de controle que pode levar a epilepsia
quando desanda.
Depois foi a vez de ir pro brejo a história de que o
cérebro não tem reservas energéticas –de novo, isso é outro papel das células
da glia, que estocam glicogênio, como o fígado.
A descoberta não só é de interesse para quem busca
entender o básico sobre como o cérebro funciona, como também informa toda a
pesquisa sobre doenças com comprometimento metabólico.
A nova verdade revisada diz respeito a um sistema
linfático no cérebro. Este é um conjunto de vasos que coleta todo o plasma que,
retirado do sangue, banha os tecidos do corpo, enchendo-se de toxinas e dejetos
do funcionamento das células, que são então encaminhados aos rins para excreção
na forma de xixi (o líquido curiosamente mais limpo e estéril do corpo –essa é
outra história).
O cérebro também é varrido por plasma retirado do
sangue, que passa a se chamar liquor, e permeia os neurônios e glia, acumulando
seus dejetos. Dizem os livros-textos que esse liquor sujo é retirado por
pequenas granulações nas meninges que envolvem o cérebro, que bombeiam o liquor
sujo para dentro dos grandes reservatórios de sangue venoso, que então volta ao
coração levando as sujeiras do cérebro.
Cientistas dos National Institutes of Health dos EUA vêm
mudando esses conceitos. Eles demonstraram, usando uma combinação esperta de
ressonância magnética e contrastes injetados no sangue, que camundongos possuem
vasos linfáticos nas meninges, que coletam liquor do cérebro e o despejam nos
gânglios linfáticos, de onde vão para os rins.
O mesmo grupo acaba de mostrar que um sistema semelhante
de vasos existe no cérebro humano –e no do sagui. Ambos primatas têm vasos
linfáticos bem formados e separados dos vasos sanguíneos das meninges. Ainda
falta um bocado para entender como o liquor do cérebro vai parar nesses vasos,
e como eventuais alterações podem ocorrer no envelhecimento normal e em
doenças.
Meus alunos da Medicina na UFRJ ficavam exasperados
quando eu dizia que algo nos livros não era mais verdade. Assim é a ciência:
várias novas perguntas a cada resposta
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro
"Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com