Conspiração do silêncio


No Brasil, os filhos e os netos são os principais agressores dos velhos.


De acordo com os dados do Disque 100, serviço gratuito por telefone da secretaria de Direitos Humanos, as maiores queixas de violência contra os velhos são negligência, violência psicológica e abuso financeiro.


Entre 71.358 suspeitos de agressão mencionados nas denúncias, os filhos foram apontados como agressores em 36,6 mil casos (51,5% do total) e os netos, em 5,9 mil (8,25%).


As vítimas são do sexo feminino em 64% dos casos (28,3 mil).


Foram 29,4 mil registros de negligência (75% do total). A queixa mais recorrente é a de falta de amparo, seguida de negligência em alimentação, em limpeza e higiene e em assistência à saúde. Cresceram os casos de autonegligência, velhos que se isolam para não incomodar parentes e amigos.


No ranking de violência estão também a violência psicológica (citada 21.832 vezes, 56% dos casos), o abuso financeiro (16.796 vezes, 43% dos casos) e a violência física (10.803 vezes, 27,7%).


O número de denúncias cresceu 65,7%. Foram 38.976 em 2013, contra 23.523 em 2012.


Mas é importante alertar que a maior parte da violência cotidiana contra os velhos não é denunciada, muito menos punida.


É fácil imaginar que muitos velhos se isolam, ficam deprimidos ou preferem morrer ao se perceberem vítimas dos próprios filhos e netos. Provavelmente os agressores de hoje sofrerão o mesmo tipo de violência quando forem mais velhos.


Não é possível culpar somente as famílias por essa trágica realidade. É preciso denunciar a escandalosa omissão do Estado e a total ausência de serviços públicos que ofereçam cuidado, proteção e assistência aos velhos.


Simone de Beauvoir escreveu que existe uma verdadeira conspiração do silêncio cercando a velhice.


"Paremos de trapacear: o sentido de nossa vida está em questão no futuro que nos espera. Não sabemos quem somos, se ignorarmos quem seremos: aquele velho, aquela velha, reconheçamo-nos neles. Para começar, não aceitaremos mais com indiferença a infelicidade da idade avançada, mas sentiremos que é algo que nos diz respeito. Somos nós os interessados."


É mais do que urgente quebrar esse silêncio. Somos nós os principais interessados: os velhos de hoje e os velhos de amanhã.


Mirian Goldenberg - antropóloga, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de "A Bela Velhice" (Ed. Record)


Fonte: www.miriangoldenberg.com.br
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