LEITURA PARA FINAL DE SEMANA


Como nosso cérebro decide quando confiar

A confiança é o facilitador dos negócios globais: sem ela, a maioria das transações do mercado seria impossível. Ela também é uma marca registrada de organizações de alto desempenho. 

Colaboradores em empresas altamente confiáveis são mais produtivos, estão mais satisfeitos com seu emprego, empregam maior esforço discricionário, são menos propensos a procurar um novo emprego e são até mais saudáveis do que aqueles que trabalham em empresas pouco confiáveis. 

As empresas que criam confiança entre seus clientes são recompensadas com maior fidelidade e maiores vendas.     E os negociadores que criam confiança uns com os outros são mais propensos a encontrar propostas que criam valor.

Apesar do primado da confiança no comércio, seus alicerces neurobiológicos não eram bem compreendidos até recentemente. 

Nos últimos 20 anos, pesquisas revelaram por que confiamos em estranhos, que comportamentos de liderança levam à quebra da confiança e como insights da neurociência podem ajudar colegas a criar confiança mútua ajudando, assim, a incrementar os resultados de uma empresa.

A BIOLOGIA DA CONFIANÇA

O cérebro humano tem duas idiossincrasias neurológicas que nos permitem confiar e colaborar com pessoas fora do nosso grupo social imediato (algo que nenhum outro animal é capaz de fazer). 

O primeiro envolve nosso córtex hipertrofiado, a superfície externa do cérebro, onde ocorrem, em grande parte, a percepção, o planejamento e o pensamento abstrato. Partes do córtex nos permitem realizar um truque incrível: nos transportar para a mente de outra pessoa. 

Chamada de teoria da mente pelos psicólogos, ele essencialmente representa nossa capacidade de pensar: “Se eu fosse ela, faria isso”. Ele nos permite prever as ações dos outros para que possamos coordenar nosso comportamento com os deles.

A segunda idiossincrasia é a empatia, nossa capacidade de partilhar das emoções das pessoas. Numerosas pesquisas, inicialmente realizadas em meu laboratório e replicadas em outros lugares, demonstra que a empatia aumenta quando o cérebro libera a ocitocina neuroquímica. 

Os seres humanos têm uma alta densidade de receptores de oxitocina no córtex frontal – mais alta do que qualquer outro animal –, o que significa que nossa natureza social está anatomicamente inscrita em nosso cérebro. 

Consequentemente, absorvemos informações sociais e entendemos as motivações dos outros com uma facilidade inconsciente.

A ocitocina produz outros dois efeitos primários nos seres humanos. 

O primeiro é a redução da ansiedade que sentimos naturalmente quando estamos junto de outras pessoas. 

O segundo efeito é a motivação para a cooperação e ajuda mútua. Isso ocorre porque a ocitocina também modula a dopamina, a substância química de reforço do cérebro que diz: “Faça mais disso”. 

A dopamina produz uma sensação de bem-estar quando colaboramos e nos conectamos com os outros, o que significa que gostar de trabalhar em conjunto decorreu da nossa evolução.

Para confiarmos em alguém, especialmente alguém que não conhecemos, nosso cérebro constrói um modelo das prováveis ações e motivações de uma pessoa. 

Em outras palavras, em todo esforço colaborativo utilizamos tanto a teoria da mente quanto a empatia, e a outra pessoa percorre o mesmo caminho, intuitivamente. 

Isso significa que os seres humanos estão constantemente envolvidos em um jogo de confiança bilateral: Eu deveria confiar em você? e Quanta confiança você deposita em mim?

No trabalho, o jogo da confiança tem um fator adicional, que é o exemplo atribuído pelos líderes. Como criaturas sociais, nós naturalmente seguimos líderes e baseamos nosso comportamento no deles. 

A influência que eles exercem significa que eles podem facilmente sabotar a confiança de duas maneiras primordiais: alimentando o medo e exercendo a dominação.

MEDO E DOMINAÇÃO

O medo é um grande motivador a curto prazo, porém ineficiente a longo prazo. Se você é ocasionalmente pressionado pelo seu chefe para cumprir um prazo, isso pode estimular você a cumprir a tarefa a tempo. 

No entanto, se você souber que seu chefe irá repreendê-lo, ameaçá-lo ou puni-lo independentemente do resultado, a pressão deixará de influenciar seu desempenho. 

Isso leva ao cenário de desamparo aprendido: os colaboradores não podem controlar ou prever as invectivas do chefe, por isso evitam esse alarmista o máximo que puderem, permanecendo invisíveis fazendo o mínimo possível.

Comportamentos de dominação, por outro lado, literalmente prejudicam as pessoas que entram em seu alvo. 

Quando o chefe desfila maltratando os subalternos, não só as pessoas ficam desmotivadas, mas os efeitos também são duradouros. 

Estudos neurocientíficos demonstraram que os seres humanos processam a rejeição social na matriz de dor do cérebro, e a marca do sofrimento social perdura mais do que a da dor física, como um soco no estômago. 

O comportamento dominante também causa estresse, que, ao inibir a produção de ocitocina no cérebro, reduz o desejo de trabalhar com os outros e colaborar com o esforço discricionário para atingir os objetivos da empresa.

Embora seja fácil culpar o comportamento agressivo da personalidade de um chefe, a ciência mostra que, quando as pessoas são o centro das atenções, a testosterona aumenta – e isso é verdade tanto para os homens quanto para as mulheres. 

Mesmo uma situação relativamente calma e intelectual – vencer uma partida de xadrez, por exemplo – aumenta a testosterona, então imagine a descarga hormonal quando o chefe fecha um acordo multimilionário. 

Para estudar esse tipo de efeito, meu laboratório administrou testosterona sintética a participantes para transformá-los em machos alfa. 

Observamos que, quando os participantes eram alfas, exigiam mais e contribuíam menos com os outros do que quando recebiam um placebo. Eles também exageravam em muito suas habilidades e eram rápidos em punir quem os contrariasse.

Por que agiram dessa maneira?                                      A alta carga de testosterona convence o cérebro de que outras pessoas o acham desejável e socialmente poderoso. 

Ela também inibe a liberação de ocitocina no cérebro, reduzindo a empatia e o desejo de colaboração.                 Além disso, a agressão provocada pela testosterona é contagiosa, inibindo a ocitocina e a confiança nos integrantes da equipe. 

Comportamentos dominantes são particularmente próprios dos homens, que têm de cinco a dez vezes mais testosterona que as mulheres, mas também podem acometer o sexo feminino. 

Embora eu não esteja sugerindo que o aumento natural de testosterona de um líder seja necessariamente ruim ou que você deve fazer um exame para saber seus níveis do hormônio como parte de seu desenvolvimento em liderança, é útil reconhecer que a testosterona pode produzir comportamentos inadequados no ambiente de trabalho. 

A solução?                                                                    Resista a ações impulsivas respirando fundo e considerando as implicações do que você está prestes a dizer ou a fazer.

O PODER DOS HÁBITOS

Entender os componentes que compõem a confiança é importante.                                                                     Mas como é possível promovê-la ativamente em sua empresa?                                                                     O primeiro passo é medir quanta confiança existe.

Faça levantamentos entre os integrantes da equipe fazendo esta pergunta:

 “Em uma escala de 1 a 7, quanto você gosta do seu trabalho em um dia normal?”

A questão está na interação entre oxitocina e dopamina, que torna o trabalho em uma equipe confiável uma atividade agradável. 

Se você receber notas 5 e 6, é porque tem uma cultura eficaz. Se observar notas 2 e 3, é porque a cultura empresarial está precisando de um reboot.

Para obter um instantâneo mais apurado da confiança em sua empresa, você pode usar a pesquisa gratuita desenvolvida por minha equipe. 

(Informação importante: existe uma versão comercial licenciada para a Envisia Learning, cujo contrato prevê participação nos lucros.) A pesquisa quantifica os oito comportamentos que estão na base da confiança empresarial.

Depois de ter uma noção clara de como a confiança opera em sua empresa e quanta confiança você inspira, você pode esforçar-se para aumentá-la. 

Uma das ferramentas mais eficazes para o cérebro é a criação de hábitos. Os hábitos, que são comportamentos associados à ativação das vias padrão do cérebro, ajudam-no a economizar energia. 

Minha abordagem para criar confiança explora essa necessidade neurológica de ativar redes cerebrais preferenciais; leva pelo menos 90 dias para mudar um hábito, quando então o novo hábito se torna a reação padrão do cérebro. 

Ao aumentar a confiança entre você e seus colegas, você também pode criar hábitos que lhe permitam estabelecer rapidamente confiança com os clientes. 

Esses hábitos tornarão sua equipe mais produtiva e indicarão sua confiabilidade aos clientes, uma vantagem neurológica em que todos saem ganhando.

Uma cadeia de varejo com quem trabalhei recentemente tinha uma divisão com baixo desempenho. O moral e a produtividade eram baixos e a rotatividade, alta. 

Os gerentes reconheceram que a cultura da divisão tinha atritos que estavam refreando as melhorias.

Suspeitamos que a confiança era um fator nos problemas da divisão; portanto, a liderança da empresa utilizou a pesquisa que desenvolvi para medir os oito comportamentos que formam a base da confiança empresarial. 

Sessenta e cinco funcionários participaram da pesquisa, e os resultados confirmaram que o nível de confiança era baixo. 

Especificamente, as pontuações mais baixas foram as de um comportamento que chamo de “Natural”: a capacidade de os colegas se mostrarem autênticos e vulneráveis no trabalho. Os funcionários pontuaram no percentil 62; a média dos EUA é o percentil 70.

Trabalhei com uma empresa de treinamento para desenvolver uma intervenção que aumentaria o comportamento Natural ao longo dos 90 dias seguintes. 

Nos primeiros dez dias, os funcionários receberam uma série de vídeos curtos que explicavam a ciência do comportamento Natural e, em seguida, lhes foi solicitado que tomassem uma atitude que o reforçasse. 

Por exemplo, pediu-se que os colaboradores convocassem uma reunião para discutir um erro que haviam cometido no mês anterior ou se comprometer a passar um dia por mês em uma função de atendimento ao cliente. 

Após os dez vídeos, os funcionários receberam por e-mail uma pergunta por semana que lhes pedia para avaliar o quanto seus colegas estavam pondo em prática ações associadas ao comportamento Natural. 

As perguntas, enviadas toda segunda-feira durante dois meses e meio, eram pequenas cutucadas cujo intuito era lembrar os colaboradores que a divisão estava tentando estabelecer novos hábitos para desenvolver o comportamento Natural.

Após o término da intervenção, esperamos mais dois meses para determinar havia ocorrido alguma mudança.

E a resposta foi positiva. Os colaboradores com uma visão favorável do comportamento Natural haviam passado do percentil 62 para o 81. 

Além disso, houve uma correlação positiva e significativa entre confiança empresarial e retenção de empregos; antes da intervenção, não havia relação entre elas.

MORAL DA HISTÓRIA

A confiança é um ingrediente essencial para que a liderança e o trabalho em equipe sejam eficazes, para oferecer um ótimo atendimento ao cliente e para se obter satisfação no trabalho. Os benefícios são generalizados.

Um estudo recente realizado pelo meu laboratório mostra como a confiança influencia diretamente as vendas. 

Obtivemos permissão de duas lojas de roupas de luxo na Califórnia para que sua equipe utilizasse sensores que mediam os efeitos fisiológicos da liberação de ocitocina no cérebro. 

Pesquisas mostram que a liberação de ocitocina pode ser recíproca – se nossa interação faz com que seu cérebro produza ocitocina, normalmente fará o mesmo com o meu – então levantamos a hipótese de que a liberação de ocitocina nos vendedores seria um bom prognóstico do aumento da confiança dos clientes. 

(Não foi pedido aos clientes que utilizassem sensores para não intervir na experiência de compra.) 

Nossa expectativa era que um maior grau confiança funcionaria como uma previsão a respeito de quais clientes fariam uma compra e quanto gastariam.

Uma combinação de indicadores neurais que chamamos de “imersão”, que medem a atenção e a liberação de ocitocina, previu com 69% de precisão quem fez uma compra e quem saiu de mãos vazias. 

Quando adicionamos o tempo que o cliente passou na loja, a precisão preditiva aumentou para 84%. E o mais importante, o valor gasto por um cliente aumentou linearmente com a imersão. 

Nossa hipótese estava correta: a confiança é contagiosa e influenciou diretamente no valor que os clientes gastaram.

Duas décadas de pesquisa apontam que os líderes podem ter melhor desempenho ao buscarem entender exatamente por que confiamos (ou não) nas pessoas com quem trabalhamos. 

A confiança mútua é algo natural nos seres humanos. 

Ela ativa sistemas cerebrais que estimulam o trabalho em equipe, o que, no melhor cenário, faz o trabalho parecer um momento de lazer.

Paul J. Zak - diretor fundador do Center for Neuroeconomics Studies e professor de economia, psicologia e administração na Claremont Graduate University além de CEO da Immersion Neuroscience. É autor do livro Trust Factor: The Science of Creating High-Performance Companies
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