Tradicionalmente,
os jornais têm sido parte importante da sociedade civil, fornecendo informação
aos cidadãos, convocando grupos para eventos e acontecimentos e servindo de
vigilância contra abusos de quem está no poder. O declínio do jornalismo
tradicional e de seus padrões nos negócios da mídia já foram bem documentados. A Comissão Federal de
Comunicações [FCC] descreveu essas dinâmicas em seu exaustivo relatório de
2011, “As Necessidades de Informação das Comunidades“.
Se os jornais desempenharam um papel importante no envolvimento da cidadania e na
democracia, deveria seu declínio ser preocupação nossa? Há muito tempo vem
sendo afirmado por membros da mídia e por comentaristas que os jornais são um
ingrediente vital para a vida comunitária nos Estados Unidos, mas o que dizem
os números? Experiências em pesquisas realizadas por cientistas políticos às vezes detectam que não existe
necessariamente uma conexão entre participação política e exposição na
imprensa, mas a questão continua sendo explorada por diferentes ângulos.
Os
otimistas da internet apontam para provas que mostram como o envolvimento digital
levou a um aumento na atividade política em sites de redes sociais, e a
informação – e não os jornais, per se – é um elemento-chave para adotar
uma sólida vida de cidadania. Outros vão mais longe, argumentando que aqueles que
lamentam a perda da mídia tradicional não apenas subestimam o poder da
internet, mas também veem a velha mídia com óculos de lentes cor-de-rosa. O
fato é que uma maior concorrência por audiências levou ao aumento da polarização, à medida que os novos
veículos recorrem cada vez mais a táticas sensacionalistas e controvertidas. E
dados de uma pesquisa feita pelo Pew Research Center sugerem que o declínio de recursos pode ter
afetado a capacidade dos jornalistas de agir como corretores honestos entre os
políticos e o público.
Um
estudo de 2014 publicado pela revista Political Communication, “Jornais Fechados e o Envolvimento Cívico dos Cidadãos“,
tenta quantificar os maiores impactos do declínio dos jornais impressos sobre a
sociedade. O autor, Lee Shaker, da Universidade Estadual de Portland, usou
dados das pesquisas sobre a atual população [Current Population Survey (CPS)]
de 2008 e 2009 para acessar a alteração, ano a ano, do envolvimento político
dos cidadãos em 18 das maiores áreas metropolitanas dos Estados Unidos. Nas
cidades examinadas, duas delas perderam jornais importantes durante essa época:
o Post-Intelligencer, de Seattle, fundado em 1863, que agora é apenas
digital, e o Rocky Mountain News, de Denver, criado em 1859, que foi
fechado pela rede E.W. Scripps em 2009.
Queda
no engajamento cívico
Comparando
o envolvimento dos cidadãos de Denver e Seattle com o das outras 16 áreas
metropolitanas, o estudo tenta isolar o impacto do fechamento de jornais em
relação a outras possíveis variáveis usadas em estatística. Shaker
controlou explicitamente os níveis de desemprego e publicidade na campanha
eleitoral de 2008, uma vez que variavam de cidade para cidade e tinham um
impacto potencial sobre o envolvimento cívico.
Os
achados do estudo incluem: no plano nacional e local, há uma relação positiva
entre a leitura de jornais e o envolvimento cívico, tal como avaliado em
contatos com autoridades públicas, comprando ou boicotando determinados
produtos ou serviços devido a seus valores políticos ou sociais, e participando
de organizações de grupos locais, como associações de pais e professores.
Em
Denver e Seattle, a avaliação de envolvimento cívico diminuiu entre 2008 e
2009. Em Denver, quatro dos cinco indicadores de envolvimento cívico caíram
significativamente entre 2008 e 2009 e em Seattle caíram duas de cinco
categorias de envolvimento.
Nas
outras áreas metropolitanas estudadas, quase nenhuma mostrou uma alteração
estatisticamente significante em envolvimento cívico. Uma das avaliações, o
boicote a mercadorias e serviços, caiu significativamente em Cincinnati
enquanto quatro indicadores em diferentes áreas aumentaram naquela cidade. No
plano nacional, o envolvimento cívico caiu entre 2008 e 2009, mas menos do que
foi observado em Denver e Seattle.
A
lista dos 100 jornais de maior circulação
O Post-Intelligencer,
de Seattle, atendia a um pequeno número de leitores antes de seu fechamento –
8% das residências, comparado às 20% do Rocky Mountain News, de
Denver – e manteve sua presença online depois do fechamento da edição impressa.
Isso pode explicar a queda maior de envolvimento cívico em Denver, se comparado
com Seattle.
As
quedas em circulação em Denver e Seattle não foram piores do que as tendências
no plano nacional, e os níveis de envolvimento cívico nas comunidades foram
relativamente altos, fortalecendo a teoria de que o fechamento dos jornais
levava a uma queda no envolvimento cívico, e não o contrário.
“O advento
de novas oportunidades de comunicação sugere que também se desenvolverão novas
formas de envolvimento”, escreve Shaker na conclusão de seu estudo. Mas ele
destaca que “há muitas questões sobre a importância do lugar online: por
exemplo, por que seria importante um determinado lugar quando podemos todos ser
virtuais e estar interconectados? No entanto, nossa sociedade ainda é
organizada e governada de um modo geográfico. Em última instância, se
desejarmos comunidades saudáveis e democraticamente produtivas, então o
fornecimento de notícias locais – que ajuda a unir os cidadãos uns aos outros,
assim como suas comunidades – deverá continuar.”
Pesquisa
relacionada: um estudo de 2010 da Organização para a Cooperação Econômica e o
Desenvolvimento (OCED), “O Futuro da Notícia e a Internet“, explora a
situação dos jornais nos Estados Unidos, em outros países da OCED e por todo o
mundo. Embora muitos dos países membros, mas não todos, enfrentem uma queda no
número de jornais e de leitores, os jornais permanecem vibrantes em alguns
países que não pertencem à OCED – por exemplo, na lista dos 100 jornais de
maior circulação, 25 são na China e 20, na Índia. No geral, “as diferenças de
país a país e de jornal a jornal, assim como os dados, não permitem fazer um
caso da ‘morte do jornal’, em especial se forem considerados países que não
pertencem à OCED e os potenciais efeitos positivos da recuperação econômica”.
Joanna Penn - pesquisadora do Shorenstein Center on
Media, Politics and Public Policy, de Harvard, e participa do projeto
Journalist’s Resource.
Tradução: Jô Amado, edição de
Leticia Nunes.
Reprodução de artigo de
Joanna Penn (“How do newspapers affect civic life? Data and analysis on Seattle
and Denver”, Journalist’s Resource)
Fonte: site Observatório da Imprensa