Um relatório interno de 96 páginas do New York
Times, enviado aos principais executivos do jornal em abril por uma
comissão liderada pelo editor Arthur Gregg Sulzberger, chegou ao conhecimento
do público na semana passada. O relatório pinta um retrato sombrio de uma
redação que vem lutando mais dramaticamente do que o perceptível para se
adequar ao mundo digital, fato dificultado principalmente pela própria cultura
estratificada do diário.
A
comissão – que levou seis meses para formar as conclusões do memorando – é
formada por Adam Bryant, Charles Duhigg, Adam Ellick, Elena Gianni, Amy
O’Leary, Andrew Phelps, Louise Story, Ben Peskoe e Jonathan Galinsky – além do
próprio Arthur Gregg Sulzberger, que é filho do publisher do Times,
Arthur Ochs Sulzberger Jr.
Segundo
Eileen Murphy, porta-voz do jornal, o relatório se destina à gestão da redação,
com uma avaliação sincera da transformação digital do Times. É, de
acordo com ela, um trabalho que reflete as conclusões e recomendações da
comissão criadora com precisão, e a intenção é abraçar e seguir à risca todas
as recomendações nele relatadas.
Alguns
tópicos abordados
O
relatório ignora largamente o legado da concorrência impressa e concentra-se na
nova onda de empresas digitais, incluindo First Look Mídia, Vox, Huffington Post, BusinessInsider e BuzzFeed. “Eles estão à nossa frente, construindo sistemas
de apoio impressionantes para jornalistas digitais, e essa lacuna vai crescer,
a menos que melhoremos nossas capacidades rapidamente”, adverte o texto.
O
documento diz que o foco obsessivo na primeira página do jornal impresso (a
chamada “Page One”) é um problema: “Os jornalistas chegam a ser avaliados pela
quantidade de vezes em que conseguiram colocar suas reportagens na primeira
página”.
O
relatório também detalha deficiências técnicas na estrutura digital: a ausência
de um sistema organizado de tags para organizar os metadados das
reportagens, bem como o fato de seus repórteres precisarem realizar buscar de
e-mails da base de leitores manualmente.
É
solicitada também uma profunda reformulação da independência da redação em
relação ao restante da empresa, a fim de envolver os líderes editoriais mais
profundamente nas decisões tecnológicas. Outra discrepância citada: a conta no
Twitter do Times é gerida pela redação. Já a conta no Facebook é
dirigida pelo departamento administrativo.
Ainda
em relação a redes sociais, foi pedida a necessidade de criar planos mais
extensos de promoção das grandes reportagens (e citou-se especificamente o caso
bem-sucedido no qual o ator Ashton Kutcher tuitou sobre uma coluna de Nicholas
Kristof, que falava sobre o tráfico sexual).
Em
geral, o relatório completo carrega certo tom de alarme – há inclusive queixas
abertas de que o Times tem perdido funcionários talentosos e se mostrado
incapaz de recrutar novos –, com muitas críticas e sugestões; no entanto
nenhuma inovação listada soa exclusiva ou inédita. Tudo já parece ter sido
adotado por outros veículos. Os poucos elogios presentes se voltaram ao
aplicativo NYT Nowe ao novo subsite Cooking, ambos
considerados ações bem-sucedidas.
Jogada
política
O
jornal parece ter começado a compreender que não pode mais proteger a parte
impressa em detrimento do crescimento digital. Há o reconhecimento de que os
custos de manutenção de prensas, caminhões de entrega, tinta e todo o
necessário para se produzir um jornal diário impresso em algum momento vão
superar a receita que a empresa gera para circular suas edições, por isso a
necessidade de investir em iniciativas digitais.
Além
disso, parece haver um interesse político por trás de documento tão extenso,
alerta o jornalista Peter Lauria em artigo no BuzzFeed. Não seria apenas uma
tentativa de salvar os negócios do Times, mas uma jogada para que
Sulzberger – o filho – possa ascender na redação e, possivelmente, ocupar o
lugar de Baquet no futuro. “É mais que coincidência que um relatório destinado
a acelerar a transição digital da instituição tenha autoria, em parte, de um
Sulzberger da quinta geração, claramente ávido por impulsionar sua própria
escalada na redação”, alfineta Lauria. “Tipicamente, relatórios internos como
este são exercícios de futilidade, comissionados com intuito cosmético e
rapidamente postos de lado antes que suas descobertas colem. Este, entretanto,
aparece como o contrário disso, dando a clara impressão que irá fornecer o DNA
digital que Sulzberger tentará estampar na organização quando estiver pronto
para ocupar o posto que Baquet está aquecendo para ele”.
Independentemente
das motivações, a pergunta que fica, diante do relatório, é: por quanto tempo a
edição impressa do New York Times vai resistir no mercado?
Fonte: site Observatório da
Imprensa
Tradução: Fernanda Lizardo, edição de Leticia Nunes. Com informações de Myles Tanzer [“Exclusive: New
York Times Internal Report Painted Dire Digital Picture”, Buzzfeed,
15/5/14] e de Peter Lauria [“The End Of The Print New York Times”,
Buzzfeed, 15/5/14]