A morte, minha cara leitora, meu caro
leitor, é suprapartidária.
Tive o vírus, mas não tive sintomas. Teoricamente, estou imune. Mas te digo: não é uma
gripezinha. Foram 14 dias de insônia. Como será que eu vou acordar amanhã?
Quero
mudar radicalmente a minha vida quando tudo voltar ao normal.
Porque tudo não
vai voltar ao normal. Posso estar imune ao vírus, mas meu filho mora em Nova
York. Não estou imune ao vírus.
O
mundo vai mudar depois dessa pandemia, como mudou nas antecedentes.
As mudanças
de comportamento e de consumo serão duradouras.
Será que vamos frequentar
lugares públicos e eventos da mesma forma?
Acho
que não.
Os
dados são tão novos e não param de mudar. Ainda não temos software para
decifrá-los, mas eles já estão rodando no sistema.
Se fosse uma empresa,
chamaria antropólogos, filósofos, cientistas sociais, engenheiros de
comportamento para entender o que aconteceu e acontecerá.
Depois
que fiquei doente, decidi mudar o padrão de consumo. Vou doar ou
descartar metade das minhas coisas. Quero comprar saúde, conhecimento.
Já
estou perdendo dois amigos para o vírus.
E sei que vou perder mais. Meus três
médicos foram infectados. Não tem mimimi. Estamos em guerra.
Chega de divisão.
Vamos deixar pra brigar em outubro. Tá marcado?
Mas,
agora, eu torço pelo Paulo Guedes,
eu torço pelo João Doria. E acho importante o bumbo que eles
estão tocando: fique em casa!
Já
estou perdendo dois amigos, ou será que a esta altura do texto serão três?
A
Covid-19 fica cada vez mais dramática no Brasil porque ela está ganhando rostos
e números, que crescem rapidamente.
Brigar
ideologicamente neste momento é um crime contra a humanidade.
O Brasil nunca
passou por uma guerra como esta. Eu não vou torcer contra. Eu torço para dar
certo.
Quando
você está com o vírus, a perspectiva é pragmática: cura. Eu posso estar imune
ao vírus.
Mas meu filho mora em Nova York. Eu não estou imune. Você acha que eu
assisto ao jornal como?
Com o coração na mão.
Não
tive sintomas, mas tive insônia, medo, costas travadas. É óbvio que a
preocupação de as empresas quebrarem é muito legítima.
Não existe essa dicotomia. Estamos vivendo uma
pandemia econômica também. Vamos tratar das duas.
O
medo será um bom conselheiro. Ele vai dizer aos homens: chega! Chega de querer
ter razão.
As UTIs estão cheias, os médicos começam a ficar doentes como seus pacientes,
as ruas estão vazias, pessoas e empresas estão quebrando. Isso não é hora de
fazer política.
Na
Primeira Guerra Mundial, numa noite de Natal, alemães e ingleses pararam a luta
insana e jogaram bola para celebrar a data.
O medo, as mortes e as falências
vão chamar a gente à razão.
Você acha que Churchill e Roosevelt eram amigos de
Stálin? Não.
Mas foram aliados contra um inimigo comum e devastador para
estarmos aqui hoje.
Perdi
dois amigos, ou à altura deste texto serão quatro? Esta hora pede de nós
grandeza, compaixão. Reze pelo meu filho. Eu rezo pelo seu.
Falar
de política virou terreno pantanoso. Este texto não é sobre política. Ele é
sobre doença, dor, morte, desespero —uma Guernica viral.
Então
o que eu proponho é trégua ideológica e união nesta luta. Este é o único desejo
da filha de um senhor de 75 anos sentindo muita falta de ar, mas que não
consegue quarto para interná-lo.
Porque,
enquanto você lia este texto, eu e você já perdemos amigos. E a morte, minha
cara leitora, meu caro leitor, é suprapartidária.