Cérebro
de embrião humano leva mais tempo para se desenvolver em comparação ao de um
camundongo.
Todos nós começamos de uma única célula: o óvulo
fecundado, ou zigoto. Camundongo ou elefante, humano ou formiga, a vida animal
começa sempre daquela uma célula. Como, então, se atinge tamanha diversidade do
produto final, que é o animal adulto? Meu negócio é diversidade cerebral, mas
no fim das contas, sempre há um corpo ao redor. Em matéria de evolução, quem
vem primeiro: cérebro maior ou corpo maior? Quem determina o tamanho de quem?
E, em última análise, o que determina o tamanho de um animal?
Não parece ser uma questão de tamanho das células. Pelas
nossas contas, as células do fígado de um camundongo, de um macaco e de uma
girafa são essencialmente do mesmo tamanho. Por outro lado, o zigoto humano já
é maior do que um zigoto de camundongo —mas apenas duas vezes em diâmetro,
enquanto nós somos certa de 20 vezes mais compridos do que um camundongo.
Um lindo trabalho de neurobiologia comparativa do
desenvolvimento contrastando humanos e camundongos acaba de ser publicado na
revista Science. Teresa Rayon e colaboradores no laboratório de James Briscoe,
do Instituto Francis Crick, no Reino Unido, executaram mais um daqueles
trabalhos que combinam engenharia genética, microscopia quantitativa, e
biologia celular e molecular, usando embriões humanos descartados, embriões de
camundongos gerados em laboratório, e células-tronco embrionárias das duas
espécies.
É o tipo de pesquisa que, no Brasil, emperra porque os
reagentes custam o triplo do preço, a burocracia de importação demora, depois a
alfândega prende a remessa... e que nos EUA não pode ser realizada usando um
único centavo do governo federal, devido a restrições legislativas que impedem
o uso de embriões humanos.
Foi no Reino Unido, então, que Rayon, Briscoe e equipe fizeram o que
para mim será uma das descobertas mais fundamentais da biologia: o cérebro de
um embrião humano leva mais tempo para se desenvolver e, nesse meio-tempo, fica
maior do que o cérebro de um embrião de camundongo, porque as proteínas humanas
são muito mais estáveis do que as do camundongo.
Acontece que o processo de divisão celular, pelo qual o
zigoto se torna duas células, que então se tornam quatro, que então se tornam
oito, até formarem o corpo todo, anda conforme umas proteínas são destruídas e
outras, novas, produzidas do nada, num revezamento. Quanto mais devagar o
revezamento ocorre, mais tempo a corrida demora.
O cérebro humano, portanto, é produzido em marcha lenta.
O que causa a diferença? Boa pergunta, que manterá ocupados um bom número de
novos cientistas —provavelmente também apenas no Reino Unido...
Suzana
Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA).
Fonte: coluna jorna FSP