Se na esfera política os mais
experientes recomendam a imediata desativação de confrontos, na esfera
midiática eles apontam na direção contrária – estimular divergências. Nos dois
planos ganha a democracia, a estabilidade institucional, o debate esclarecedor
e a moderação.
Nosso Estado de
Direito é jovem demais – completará 30 anos em 15 de março – para escapar ileso
de tantas e tão diversificadas ameaças sem a ajuda do único agente capaz de
baixar temperatura e pressão: a diversidade.
Menos polarização nas
ruas e mais polos de opinião nos jornais. Menos paixões nas tribunas e mais
tribunas para descontrair paixões. Desconcentrar é a palavra de ordem. Se em
março de 1964 a radicalização não tivesse tomado conta da política e da mídia,
enfim se houvesse espaço para a voz da prudência, a tragédia teria sido
evitada. Acontece que as tragédias – gregas, romanas, elisabetanas ou
brasileiras – caracterizam-se justamente pela ausência de forças moderadoras.
Quatro dias antes da
divulgação oficial da “lista de Janot” com o nome dos políticos que serão
inquiridos pela Justiça e a despeito do rigoroso sigilo imposto pela
Procuradoria Geral da República, alguns veículos divulgaram com estardalhaço um
duplo vazamento: 1) na relação estavam os presidentes do Senado e da Câmara,
Renan Calheiros e Eduardo Cunha; 2) os citados já estavam informados.
Tudo começou na tarde da terça-feira (3/3), quando o portal G1
noticiou a presença da dupla na lista de Janot. Os telejornais da Globo e da
GloboNews inflaram a informação e, no dia seguinte, o Globo saiu com uma retumbante manchete
confirmando que ambos haviam sido informados. Folha e Estadão foram mais cautelosos porque não
tinham certeza da veracidade da informação.
A pior opção
Quem vazou para o
Grupo Globo nunca se saberá, nem interessa saber – afinal, as fontes de
informação também estão protegidas pelo sigilo, neste caso imposto pela
Constituição. Mas não é difícil adivinhar a quem o vazamento beneficiou. Mesmo
assim, os veículos prejudicados silenciaram sobre a quebra da confidencialidade
que só poderia ocorrido na Procuradoria Geral da República ou no Supremo
Tribunal Federal.
E não espernearam
contra a preferência. Não porque receassem enfrentar o poderoso Grupo Globo,
mas em respeito a um estranho pacto de silêncio que vige há algumas décadas e
impede desavenças públicas capazes de abalar o monolitismo da corporação
jornalística.
Visivelmente prejudicada, a Folha não abriu o bico. Deveria: estava no
seu direito e no direito da sociedade reclamar contra a inoportuna e indevida
preferência. Supondo que o governo tenha sido o autor do vazamento, cabia ao
jornal exigir isonomia. Ou protestar contra a quebra do sigilo, já que tanto o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como o ministro-relator do STF,
Teori Zavascki, enfatizaram a necessidade de divulgar simultaneamente todos os
nomes da lista de modo a evitar que alguns sofressem desgaste maior.
O imperdoável silêncio da Folha,
com a maior audiência e maior prestígio entre os diários, parece ser uma
retribuição à cortesia dos concorrentes que deixaram passar incólume a
insensatez do colaborador Ives Gandra Martins ao oferecer, semanas antes, o
aval jurídico a um eventual pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Uma imprensa verdadeiramente livre e responsável teria contestado o articulista
e eventualmente o endosso do jornal (criticado pela própria ombudsman). [Ver,
nesteObservatório, “Parecer ou provocação, um salto no escuro”.]
No lugar de um debate
esclarecedor sobre questões legais e institucionais, os demais jornalões
ofereceram ao eminente jurista uma espécie blindagem preventiva que só se
explica pela sua importância na hierarquia do Opus Dei.
No vácuo, criou-se uma
bola de neve que aloprados do outro lado resolveram barrar com imprudência
ainda maior – a convocação para uma passeata em defesa do governo na sexta, dia
13/3, para lembrar o comício da Central do Brasil, Rio, há 51 anos.
A drástica diminuição
do número de jornais é uma inevitável contingência econômica e tecnológica. Mas
o lamentável uníssono dos sobreviventes é uma opção suicida. Abrir mão de
divergências e engolir as respectivas autonomias torna a imprensa um
burocrático veiculador de unanimidades. Portanto, descartável.
O Milagre Xuxa: enfim um pouco de birra e cotoveladas
Abençoada seja Xuxa
Meneghel, que depois de 29 anos consecutivos finalmente resolveu não renovar
com a Rede Globo e fechar negócio com a sua arquirrival.
A irritação da Vênus
Platinada ficou patente no noticiário sobre a transferência e, sobretudo,
quando a crítica de TV do Globo classificou como “cafona” o show ao
vivo da chegada da apresentadora à Record de helicóptero. A brava gaúcha
respondeu à altura declarando que nunca gozou de tamanha liberdade como agora.
Se a guerrilha
prosseguir e transbordar, Xuxa poderá converter-se em padroeira do
contraditório e da diversidade na mídia brasileira.
Alberto Dines – jornalista, escritor,
dirigiu e lançou diversas revistas e jornais no Brasil e em Portugal, foi
editor –chefe do Jornal do Brasil, criou o site Observatório da Imprensa, é
pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da
Unicamp.
Fonte: site Observatório da Imprensa