Isolamento afeta até mosquinhas-da-fruta
Pesquisadores
observaram que ficar distante de outros levou a alterações na alimentação e
comportamento dos bichos.
Ao menos metade dos brasileiros engordaram durante
a pandemia, segundo pesquisa do Instituto Ipsos.
Por um lado, a notícia poderia
ser comemorada: como ser animal significa ter que procurar alimento suficiente
todo santo dia (pois não fazemos fotossíntese, como as plantas), engordar por
definição requer ingerir mais energia do que se consome.
Você ganhou peso durante a pandemia? Parabéns,
privilegiado: você teve comida mais que suficiente, e muito provavelmente, não
precisou continuar batendo perna ou se apertando no transporte público, exposto
à roleta russa do vírus. Sobretudo, você não morreu.
Feita a ressalva de que se preocupar com sobrepeso
em pandemia é problema de privilegiado, vamos às considerações.
Por que ficar
trancado em casa haveria de expor tantos sortudos a esse problema, quando o
cérebro em princípio sabe perfeitamente regular nosso apetite e ingestão
alimentar?
Inatividade física é certamente um fator.
Além disso, aposto que
a falta de assunto do confinamento é um fator de risco para o aumento de
frequência de visitas à geladeira —embora eu não conheça estudos sobre este
tópico em particular (e imagine que o brasileiro investigado logo daria um
jeitinho de burlar contadores de aberturas-de-porta-da-geladeira em pesquisas
do gênero).
Mas nem tudo é culpa do nosso ócio ou preguiça: até mesmo em
mosquinhas-da-fruta, o isolamento social crônico é suficiente para deixar o
cérebro esfomeado, segundo um estudo feito na Universidade Rockefeller, nos
EUA.
Mosquinhas de laboratório são normalmente criadas em grupos,
sempre com alimento abundante, mas ingerem uma quantidade estável de alimento.
Tem sempre sobrando.
Mas, após uma semana de isolamento contínuo, as
mosquinhas ficam irrequietas durante o dia —e, mais importante, ingerem até
três vezes mais comida.
Se engordam, não sei; os pesquisadores não relatam se
pesaram os animais antes e depois do experimento.
Mas fizeram o mais difícil, que foi examinar como a
expressão de genes muda com o isolamento.
O veredito: o isolamento crônico
deixa o cérebro das mosquinhas num estado de expressão gênica semelhante ao de
inanição, apesar da comida abundante.
Não há como saber se as moscas isoladas se sentem
esfomeadas, mas elas certamente se comportam assim, comendo como se não
houvesse amanhã —tais quais humanos em quarentena.
Ou seja: se ficar em casa, o bicho do estresse
pega; se correr, o bicho do vírus come.
Qual é a solução? Vacina, oras. Que bom
que ainda há quem invista em ciência no mundo.
Num país de desigualdades extremas como o Brasil,
engordar durante a pandemia é um luxo, privilégio dos que têm geladeira e
dispensa cheias e podem trabalhar de casa.
SUZANA
HERCULANO-HOUZEL - Bióloga
e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).