O dia 25 de abril será lembrado como dia da mesquinhez
Suspeito que 25 de abril será lembrado como o dia da “mesquinhez”. Nele, em 2019, o governo Bolsonaro “partiu para a ignorância” contra os conhecimentos que prometem a possibilidade da construção de uma organização social onde os homens gozariam de paz e relativo conforto.
O encarregado da Educação Nacional insistiu, sob o olhar aprobativo do presidente, numa proposição inimaginável. Disse ele, “imagine uma família de agricultores cujo filho entrou na faculdade e, quatro anos depois, voltou com o título de antropólogo”, coisa absolutamente inútil. O que sugeriu o John Dewey tupiniquim? Que “o filho deveria ter estudado na faculdade de medicina veterinária”, coisa prática. Com tal aprendizado poderia prosseguir e melhorar a atividade de seu pai, na qual seu avô revelou ter o mesmo talento do seu tataravô!
Mas, afinal, que sociedade é essa? Talvez uma lamarckiana, onde o DNA, pela repetição geracional, reproduziria “homens-agrários-naturais”, condicionados geneticamente, como se reproduzem as “formigas operárias”.
É o oposto do que propõem as ciências sociais (antropologia, sociologia, direito, economia) em busca de um conhecimento social (nunca será uma ciência) que, convertido em instituições adequadas, ajudará a construir uma sociedade “justa”, na qual o menos favorecido de seus membros encontrará o conforto da solidariedade tribal, a equidade, a ausência de preconceitos de qualquer natureza e terá condições de realizar-se dignamente com seu próprio esforço.
E o que dizer da condenação do conhecimento filosófico num governo que reconhece como seu “guru” alguém que se pretende filósofo? Pois bem. O conhecimento filosófico é fundamental para apaziguar os espíritos mais inquisidores que não se cansam de procurar uma explicação razoável para entender por que arte do destino o homem —um acidente aleatório de um óvulo e um espermatozoide— está aqui e para quê? Não há outro conhecimento que dê mais humildade e gere mais dúvidas aos mais brilhantes portadores das “ciências duras”.
A crítica instantânea e bem informada a tal ideologia veio de um físico renomado. Leandro Tessler, da Unicamp, disse nesta Folha (27/04, B4) que: “Nenhum lugar do mundo tem universidade de prestígio sem humanas, filosofia, sociologia, história. Isso é muito importante para saber que nazismo não foi de esquerda, por exemplo”.
Para responder ao espírito crítico do “marxismo cultural” é preciso enfrentá-lo, com argumentos lógicos e antropológicos, não incendiar a universidade e tentar substituí-lo pelo seu equivalente —de sinal contrário— o “direitismo cultural”.
Antonio Delfim Netto - economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.
Fonte: coluna jornal FSP