A especulação cresceu, os
mercados se agitaram e o dólar subiu quando se espalhou mais um rumor sobre a
demissão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na tarde de sexta-feira, 16/10.
À noite o ministério divulgou uma nota para confirmar a permanência do ministro.
Notas oficiais, especialmente numa sexta-feira à noite, são em geral emitidas
para comunicar alguma novidade importante. Permanência no cargo é notícia?
No caso de Levy, a renúncia ao
posto seria vista por muita gente como o fato mais normal. Desprestigiado por
sua chefe, atacado pelo ex-presidente Lula e por muitos petistas e
responsabilizado, muitas vezes, por uma recessão gerada no mandato anterior,
por que insiste em permanecer ministro?
O rumor de sexta-feira foi uma
reação à sua ida ao Palácio da Alvorada. De manhã, os jornais haviam destacado,
mais uma vez, as pressões de Lula pela substituição de Levy e pela mudança da
política econômica. A semana anterior, na reunião do Fundo Monetário
Internacional (FMI), em Lima, havia sido difícil.
Documentos oficiais do FMI
trataram sem eufemismos da crise fiscal brasileira, da corrupção e da
situação política em deterioração. Numa entrevista da CNN, gravada no palco do
Teatro Nacional, diante de platéia e galeria lotadas, Levy foi pressionado para
falar sobre o risco de impeachment e sobre as pedaladas fiscais condenadas pelo
Tribunal de Contas da União (TCU). Ele tentou assumir o papel de defensor do
governo, e até de seu antecessor, enquanto o público gargalhava.
De volta ao Brasil, foi ao
Congresso e tentou convencer parlamentares a apoiar o ajuste das contas
públicas e a aprovar a recriação da CPMF, a Contribuição Provisória para
Movimentação Financeira. No dia seguinte, a Fitch anunciou o corte da nota de
crédito soberano.
O País foi mantido no último
nível do grau de investimento, no último nível antes do grau especulativo, e
com perspectiva negativa. Tudo isso por decisões tomadas contra a opinião de
Levy, como o envio, ao Congresso, de um projeto de Orçamento com déficit
primário de R$ 32 bilhões. No mesmo dia ainda vieram novas cargas do PT. Por
que continuar?
Na sexta, o ministro foi de
fato ao Alvorada, onde participou de uma reunião com ministros da Junta
de Orçamento. Havia, segundo informação extraoficial, tentado uma reunião
privada com a presidente Dilma Rousseff, mas ela descartou esse encontro. À
noite saiu a nota do ministério para desmentir o rumor da demissão. Que havia
ocorrido naquela tarde?
Três grandes jornais contaram três histórias, ou, talvez, a
mesma história vista de ângulos diferentes. O Estado de S. Paulo pôs o foco no ministro, já na chamada
de capa: “Críticas de Lula e do PT fazem Levy pensar em deixar o governo”. O Globo destacou
a reação da presidente: “Levy ameaça sair e irrita Planalto”. A Folha
de S. Paulo deixou o
assunto apenas numa página interna, sem menção na primeira. Os três
coincidiram, no entanto, ao dar manchete com as contas no exterior e o
agravamento da situação do presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ).
O Globo dedicou a capa do caderno de Economia
à história da quase demissão de Levy. Como na chamada, a matéria mencionou o
descontentamento do ministro e sua tentativa de uma reunião privada com a
presidente, mas o foco foi mesmo a reação da cúpula.
Já no primeiro parágrafo,
“fontes do Palácio do Planalto” descrevem a movimentação de Levy como tentativa
de se fortalecer no governo. “A estratégia, segundo um auxiliar presidencial,
foi vista como ‘desnecessária’ e inoportuna”, relata o jornal. O foco pouco
varia até o fim do texto.
O Estadão centrou a história em Levy e em seu
descontentamento diante dos ataques de Lula e do partido. Também nesta
cobertura as informações mais importantes são atribuídas a fontes sem
identificação – mas, neste caso, vinculadas ao ministro da Fazenda. “O ministro
Joaquim Levy disse a interlocutores que pretende deixar o cargo no fim do ano,
caso o ‘fogo amigo’continue. Levy está irritado com as críticas feitas pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo PT. Em conversas reservadas, ele
avalia que os ataques prejudicam até mesmo a aprovação do ajuste fiscal pelo
Congresso”.
A reportagem menciona a reunião
com os demais membros da Junta Orçamentária – a presidente Dilma Rousseff, o
ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e o chefe da Casa Civil, Jacques
Wagner. Não se tratou, segundo auxiliares da presidente mencionados no texto,
da entrega do cargo, nem houve conversa isolada. A matéria se distingue
principalmente pela indicação de um prazo: demissão até o fim do ano, se o fogo
amigo continuar. O prazo pode até parecer engraçado, mas compatível com o
comportamento de Levy no governo Dilma.
A Folha deu
menos destaque ao assunto, confinado numa página interna, e o tratou como
questão administrativa. Titulão da página 16 do primeiro caderno: “Após
críticas, Levy se reúne com Dilma para assegurar ajuste fiscal”. Só isso?
Segundo a matéria, Levy conversou com a presidente no Palácio da Alvorada “e
saiu do encontro com a certeza de que o governo vai fazer o necessário para
obter um superávit (receita menos despesas) de 0,7% do PIB no Orçamento de
2016”.
Há até uma referência ao desconforto do ministro por causa das
críticas, mas o assunto da reunião é liquidado com uma declaração entre aspas.
“A presidente está comprometida com o ajuste fiscal, com um orçamento de 2016
robusto e bem arrumado, com receitas firmes e gastos ajustados”, disse Levy à Folha,
segundo a reportagem. Palavras complementares do ministro: “Essa é a orientação
dela e vamos seguir nessa linha”. Pequena dúvida: se Levy tivesse ido ao
Palácio com a disposição de reclamar do fogo amigo e o tivessem convencido a se
acomodar, ele daria uma declaração diferente, ao sair?
Lucrando com pixulecos
Impossível acompanhar a crise econômica sem levar em conta a
crise política, Os jornais ainda tentam manter as coberturas separadas, no dia
a dia, mas isso parece cada vez mais difícil. O melhor exemplo da combinação
entre negócios empresariais e imbroglio político talvez tenha sido, até agora,
uma reportagem publicada no Globo na segunda-feira 12/10. A matéria saiu
no caderno de Economia com o título: “Crise política infla lucros de
fabricantes de pixulecos”. As indústrias de infláveis têm recebido boas
encomendas, apesar do mau estado da economia.
O primeiro pixuleco, um bonecão
do ex-presidente Lula vestido de presidiário, abriu caminho a um mercado muito
especial. Grandes e minipixulecos têm sido encomendados. Um pato de 12 metros
de altura foi usado na campanha “não vou pagar o pato”, lançada pela Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) contra a alta de impostos.
Rolf Kuntz - colunista do jornal O
Estado de São Paulo e
professor de Filosofia Política, na USP.
Fonte: site Observatório da Imprensa