Qual é a melhor forma de prever quem será o próximo
presidente dos EUA? Se respondeu pesquisas eleitorais, errou. A melhor forma de
prever uma eleição (e outros tipos de eventos) é olhar as Bolsas de apostas. No
fim da semana passada, o site PredictWise, uma das principais delas, apontava
que Hillary Clinton tinha 90% de chance de ser a próxima presidente, e Trump,
menos de 10%.
Essas Bolsas (chamadas de "prediction
markets", mercados de previsão) permitem que qualquer pessoa aposte no
resultado de um evento incerto futuro.
Em 2006, o cientista político da Universidade da
Califórnia James Fowler elaborou um interessante estudo mostrando que as Bolsas
de aposta são mais precisas na previsão de eleições do que as pesquisas. Uma
razão é que os mercados de previsão incorporam rapidamente as informações das
pesquisas e adicionam a elas outras que não estão disponíveis para o público em
geral.
Esse tipo de conclusão não vem de hoje. Em 1907, o
matemático Francis Galton publicou um estudo clássico sobre concursos de
adivinhação de peso de gado no Reino Unido. Os participantes pagavam um valor
para fazer sua aposta. Quem chegasse mais perto levava a bolada. Galton
concluiu que a mediana entre todas as apostas era surpreendentemente próxima ao
peso real do animal.
Uma revolução ainda mais profunda dos mercados de
previsão está em curso. Foi lançado há pouco o site Augur. A primeira vista ele
parece uma Bolsa de apostas tradicional. No entanto, usa a tecnologia do
blockchain para criar um serviço distribuído na internet. O Augur recebe e paga
apostas automaticamente, por meio de contratos inteligentes sem qualquer
intermediário. Em outras palavras, ele é imparável. Para tirá-lo do ar, somente
desligando toda a internet.
Com isso, o Augur (e serviços similares a ele) podem
se converter no futuro do Wikileaks, site em que informações confidenciais são
compartilhadas. Alguém de posse de uma informação quente poderia entrar no site
e apostar com base nela. Por exemplo, um agente público que saiba quem será o
próximo político a ser preso na Lava Jato poderia confidencialmente apostar
naquela informação.
Esse tipo de serviço pode levar a uma sociedade de
transparência ainda mais radical, onde será cada vez mais difícil haver
segredos. Qualquer pessoa dotada de uma informação contraintuitiva passa a ter
um incentivo para "capitalizar" sobre ela em uma Bolsa de apostas
desse tipo.
Isso trará um enorme desafio para as leis que
protegem a privacidade, a confidencialidade e os segredos de Estado. Trará
também desafios para as normas que combatem o chamado "insider
trading", dentre outras.
Em um país como o Brasil, em que a falta de transparência com a coisa pública
leva a escândalos cotidianos, o balanço desse tipo de modelo pode acabar sendo
positivo.
Já que os jogos de azar estão prestes a ser
legalizados no Brasil, valeria a pena incluir na lei que fará isso um
dispositivo autorizando também a operação de mercados de previsão no país.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em
direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte: coluna jornal FP