Lar Novo Acolher, que abriga crianças retiradas das
famílias pela justiça por causa de maus tratos
Relatos de adoções sempre emocionam. Quanto mais risco
ou sofrimento a criança tiver passado antes de ser adotada, mais nos dá
satisfação saber que ela encontrou um lar para chamar de seu. Seja porque se
trata de um bebê —imagem acabada do desamparo—, seja porque são crianças
mais velhas, negras ou doentes —com poucas chances de serem escolhidas—,
tudo é motivo para que fiquemos com os olhos marejados.
A partir de agora: cama quentinha, comida, escola, roupa
limpa, casa protegida, uma família. Dormimos todos mais tranquilos quando
uma criança é adotada.
Ao contrário das décadas anteriores, as adoções se
tornaram motivo de orgulho e exibição. O desejo de engravidar pode ser
considerado banal, mas a intenção de adotar pode causar comoção. Quanto
desprendimento e amor para cuidar de alguém gerado por outra pessoa!
Diante de pais tão magnânimos, cabe ao filho adotivo a eterna gratidão, é
claro!
O que nem todo mundo sabe, é que existe um contingente
de crianças “devolvidas” durante a guarda provisória ou abandonadas, depois da
guarda permanente —há penalidade prevista no segundo caso.
Sugiro “A Devolução de Crianças Adotadas: um estudo
psicanalítico” (2015) de Maria Luiza Ghirardi, “La Adopción” (1996) e “La
Adopción y Silencios” (1996) ambos de Eva Giberti.
Muitas vezes, o fracasso das adoções se revela um grande
mal-entendido. Os candidatos a pais esperam gratidão das crianças, mas gratidão
não é o forte das crianças. O forte dos filhos —qualquer um— é testar o amor
dos pais até o limite, na esperança de que eles não respondam com violência e
nem com abandono.
E haja saco para aguentar as investidas e sintomas das
crianças até que se sintam confiantes. A criança adotiva, por motivos
óbvios, precisará testar os pais ainda mais.
Um pouco de humildade nas expectativas dos candidatos a
pais adotivos e menos idealização ajudaria a diminuir a devolução dessas
crianças.
Afinal, adotar ou gestar um filho é um ato que responde,
acima de tudo, aos desejos egoístas de cada um de nós.
Passados 92 anos, não sabemos nada sobre as tristes
circunstâncias que fizeram meus avós biológicos entregarem minha mãe na
maternidade.
Mas sabemos que meus avós adotivos aguentaram toda
encheção de saco que uma criança tem o direito de causar; não desistiram da
filha depois da chegada do filho biológico; tampouco esperaram mais gratidão do
que os pais em geral deveriam esperar.
Vera
Iaconelli - diretora do Instituto Gerar,
autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Como Criar Filhos no Século
XXI". É doutora em psicologia pela USP.
Fonte: coluna jornal FSP