Corremos o risco de veículo a combustão virar sintoma de subdesenvolvimento
Andar por cidades chinesas como Hangzhou e Shenzhen causa um estranhamento para quem é brasileiro. Ambas são megalópoles de 9 milhões e 12 milhões de pessoas. No entanto, o tráfego de veículos nessas cidades é curiosamente silencioso.
Os rãããããã e tssss que são constantes nas cidades brasileiras estão desaparecendo por lá. A razão é simples. Boa parte dos veículos é elétrica.
Tome-se o exemplo de Shenzhen. A cidade tem hoje 100% da sua frota constituída de ônibus elétricos. Só como base de comparação, Shenzhen tem 15.500 ônibus. São Paulo, 14.500. Em dez anos, a cidade aposentou a integralidade da frota a combustão. Com isso, adotou ônibus de última geração movido a baterias. Não há fios elétricos que ficam faiscando, nem motoristas desesperados tentando encaixar polos que se soltaram. E as baterias usadas são de fosfato de ferro, recicláveis.
Mas quanto custa carregar esses ônibus? Uma carga completa com autonomia de 300 quilômetros custa R$ 120. No caso dos carros, uma carga completa que permite circular por 400 quilômetros custa R$ 20.
O carregamento dos carros pode ser feito em tomadas comuns, com uma espécie de carregador de celular. Esse carregador é inteligente. Está programado para carregar o veículo em horários de pouco consumo de energia, como de madrugada. Nos horários de pico, se o carro estiver conectado, pode devolver a energia armazenada para a rede, gerando dinheiro para o dono.
1880 - O desenvolvimento da propulsão elétrica teve início nos anos 1830.
A aplicação efetiva em um carro ocorreu cerca de 50 anos depois, no modelo apresentado pelo engenheiro britânico Thomas Parker (1843-1915)
Em Shenzhen, 100% dos táxis são também elétricos. Essa conversão foi tão bem-sucedida que os aplicativos de transporte urbano estão considerando adotar uma regra exigindo que todos os carros e táxis filiados a eles deverão ser elétricos. Se forem movidos a combustão, não poderão se cadastrar.
As motos no país são também elétricas. Aquele famoso ruído de moto acelerando é coisa do passado.
Converter a frota de veículos de uma cidade para elétricos cria um círculo virtuoso. Com sua disseminação surge uma nova infraestrutura capaz de armazenar eletricidade. Baterias podem ser carregadas a partir de qualquer fonte, seja na tomada ou por painéis solares.
Cada dono terá incentivo para carregar seu carro fora do horário de pico para pagar menos. E também para comprar um painel solar (ou exigir que seu condomínio instale um). Com isso pode zerar seu custo de deslocamento. Mais do que isso, em casos de falta de energia, as cidades podem direcionar seus ônibus para hospitais e outros lugares críticos. A bateria de cada um funciona como um gerador móvel.
Os sinais de que o futuro do transporte é elétrico estão em toda a parte. Todas a montadoras estão lançando carros nessa modalidade.
Só existe um lugar que tem aversão a isso: o Brasil. Em nosso país, os carros e motos elétricas são tributados de forma punitiva. Quem compra um carro elétrico no Brasil paga 50% de impostos. Veículos a combustão pagam muito menos, apesar de suas muitas externalidades negativas como barulho e poluição.
Corremos o risco de viver em um mundo em que os países desenvolvidos serão elétricos, enquanto os veículos a combustão serão sintoma claro de subdesenvolvimento.
Ronaldo Lemos -advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP