Comparativo da Tarifação de Planos de Saúde ao redor do Mundo
Os modelos de tarifação de planos de saúde ao redor do mundo são
fortemente influenciados por fatores culturais, econômicos e, sobretudo,
regulatórios.
No Brasil, um sistema centralizado e altamente regulamentado
busca equilibrar a acessibilidade com a sustentabilidade financeira.
Nos
Estados Unidos, a precificação dos planos de saúde é amplamente orientada pelo
mercado, permitindo maior liberdade às operadoras, mas resultando em grandes
disparidades de custo.
Enquanto isso, na Europa, países como Alemanha, França e
Reino Unido oferecem uma abordagem híbrida, onde sistemas públicos e privados
coexistem em um delicado equilíbrio.
Com um olhar detalhado, vamos analisar
aqui as diferenças entre esses modelos, focando nos aspectos regulatórios e
atuariais que determinam a tarifação dos planos de saúde ao redor do mundo.
No
Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) desempenha um papel
central na regulação dos planos de saúde. As diretrizes impostas pela agência
determinam coberturas mínimas, regras de reajustes de preços e limites para a
variação de preços entre faixas etárias.
A ANS define o Rol de Procedimentos e
Eventos em Saúde, que estabelece os serviços mínimos obrigatórios que devem ser
cobertos pelos planos de saúde.
Isso garante um nível básico de atendimento,
mas limita a capacidade das operadoras de ajustarem seus produtos para
diferentes perfis de clientes.
Além disso, o controle de reajustes nos planos
individuais, imposto pela ANS, impede que as operadoras aumentem os prêmios
além de um teto definido anualmente, mesmo em cenários de alta inflação médica.
Outro
ponto importante é a variação de preços por faixa etária, que também é
controlada pela agência.
Embora exista alguma flexibilidade na precificação
para jovens e idosos, a ANS limita os reajustes de forma que o custo dos planos
para os mais velhos não seja exorbitante.
A regulamentação da Agência visa
proteger o consumidor, mas impõe desafios atuariais às operadoras, que precisam
equilibrar a alta sinistralidade da população mais idosa com as limitações de
reajuste.
Nos
Estados Unidos, por exemplo, o mercado de saúde suplementar é amplamente regido
por forças de mercado, com regulação fragmentada entre os estados e
intervenções federais, como o Affordable Care Act (ACA).
O resultado é um
sistema que oferece grande variedade de planos, mas que também permite uma
precificação altamente individualizada, baseada em fatores como idade,
histórico médico e localização geográfica.
A
introdução do ACA, em 2010, trouxe algumas mudanças importantes, como a
proibição da discriminação por condições preexistentes e a limitação da
variação de preços por idade, que agora não pode exceder uma razão de 3:1 (o
que significa que os planos mais caros para idosos não podem custar mais de
três vezes o valor dos mais baratos para os jovens).
Ainda assim, a
flexibilidade de precificação nos Estados Unidos resulta em altas franquias e
grande variabilidade de preços entre diferentes regiões do país.
O
impacto das franquias elevadas é significativo: muitos consumidores acabam
utilizando menos serviços médicos, já que precisam arcar com uma parte
significativa dos custos antes que o plano comece a cobrir as despesas.
Para as
seguradoras, isso cria um cenário complexo, no qual a sinistralidade pode
flutuar drasticamente, dificultando a previsibilidade dos custos e a gestão
atuarial.
Na
Europa, a maioria dos países combina sistemas de saúde públicos robustos com
seguros privados que oferecem cobertura suplementar.
A Alemanha, por exemplo,
segue o modelo Bismarckiano, onde a saúde é financiada por meio de
contribuições obrigatórias de empregadores e empregados, mas seguros de saúde
privados complementam o sistema público.
Lá, os planos privados são regulados
para garantir a cobertura de um nível mínimo de serviços, mesmo com a
precificação baseada no risco individual.
A legislação também exige que esses
planos mantenham um certo grau de solidariedade, o que impede que pessoas com
maior risco sejam excluídas ou paguem prêmios exorbitantes.
Na França, outro exemplo interessante, a situação é semelhante:
o sistema público cobre a maior parte dos custos de saúde, enquanto os seguros
complementares privados, conhecidos como mutuelles, cobrem
serviços que o sistema público não cobre integralmente, como tratamentos
odontológicos e oftalmológicos.
Embora as seguradoras privadas tenham maior
flexibilidade, o controle de preços dos serviços médicos e medicamentos pelo
governo francês afeta indiretamente a precificação dos planos, moderando os
custos.
Já
o Reino Unido, por sua vez, tem o National Health Service (NHS), um sistema
público que cobre a maior parte das necessidades de saúde da população.
No
entanto, planos privados estão disponíveis para quem deseja um atendimento mais
rápido ou mais personalizado.
Esses planos têm mais liberdade de precificação,
mas sua demanda é limitada, uma vez que o sistema público atende a maioria das
necessidades de saúde de forma eficiente.
Perspectiva Atuarial: Brasil,
EUA e Europa
Os desafios atuariais em cada um desses mercados variam de
acordo com o grau de regulação e o perfil de risco das populações atendidas. No
Brasil, o controle rígido da ANS sobre os reajustes e a exigência de reservas
técnicas robustas faz com que as operadoras tenham que adotar uma abordagem
conservadora para evitar déficits.
O pooling de riscos entre diferentes faixas
etárias, especialmente a proteção oferecida aos mais idosos, cria uma situação
em que os custos são compartilhados, mas dificulta a atração de jovens e
saudáveis para o sistema.
Nos
Estados Unidos, por outro lado, a precificação baseada no risco individual é a
norma, o que permite às seguradoras ajustar seus prêmios com maior precisão, de
acordo com o perfil do cliente.
No entanto, isso também resulta em prêmios mais
altos para pessoas com maior risco de sinistralidade.
A utilização de planos
com altas franquias, combinada com a variação regional nos custos médicos,
torna o cálculo atuarial mais volátil e suscetível a oscilações.
Na
Europa, os atuários trabalham em um ambiente relativamente mais estável. Em
países como Alemanha e França, o papel predominante do sistema público mitiga
muitos dos riscos financeiros que as seguradoras enfrentariam.
O controle de
preços dos serviços de saúde públicos e o uso limitado de seguros privados
reduz a exposição a flutuações de custos inesperados, criando um cenário
atuarial mais previsível.
No Reino Unido, a presença quase universal do NHS
também limita os riscos, já que os seguros privados são utilizados
principalmente como uma opção suplementar para cuidados não essenciais ou mais
rápidos.
Os
modelos de tarifação de planos de saúde no Brasil, Estados Unidos e Europa
refletem as prioridades de cada sistema de saúde: no Brasil, a ANS impõe fortes
controles para proteger o consumidor, mas as operadoras de saúde enfrentam
desafios financeiros para manter a sustentabilidade.
Nos Estados Unidos, a
liberdade de precificação permite maior personalização, mas cria desigualdades
significativas no acesso a serviços de saúde.
Já na Europa, os sistemas mistos
oferecem uma maior estabilidade, graças à prevalência dos serviços públicos,
mas o espaço para inovação no setor privado é limitado.
Para
operadoras de planos de saúde e gestores atuariais, cada cenário exige
estratégias diferentes.
Enquanto as operadoras brasileiras precisam lidar com
os desafios de um mercado rigidamente regulamentado, as seguradoras americanas
devem se preparar para a volatilidade e a alta competitividade.
Na Europa, a
presença forte do setor público oferece maior previsibilidade, mas as
seguradoras privadas precisam inovar para se manterem relevantes em um mercado
já bem servido por sistemas públicos de saúde.
Com esses diferentes modelos,
fica claro que o equilíbrio entre proteção ao consumidor e sustentabilidade
financeira é uma questão central na definição das políticas de saúde
suplementar ao redor do mundo.
ANDREA MENTE - atuária formada pela PUC-SP, com especialização pela Universidad
Castilla La-Mancha (Espanha) e sócia da Assistants