“Meu
projeto começou com uma provocação que eu fiz para o André Carvalho [pesquisador
do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-SP] e para a Lígia Martins
[coordenadora de Responsabilidade e Sustentabilidade da FGV-PR],
tentando entender como a natureza faz negócios”, rememora Gelli, que é criador
da agência Tátil e de logomarcas como a dos Jogos Olímpicos do Rio 2016. Ele
revela que, vencido o estranhamento dos interlocutores, o projeto ganhou corpo.
“Eles nos ajudaram a estabelecer conexões possíveis e identificar as
inspirações mais promissoras do desenho de um novo jeito de fazer negócios.” Em
novembro próximo, o trabalho da Tátil com a FGV será levado ao HSM
ExpoManagement, em São Paulo, para um público estimado em 4 mil pessoas, dentre
os quais mil CEOs de grandes empresas.
Uma
recepção bem diferente da que o designer obteve em 1986, quando, iniciando na
profissão, defendia estudos sobre como a natureza embala seus “produtos” em
comparação com as indústrias. “Era uma época em que ninguém se importava com
essas coisas”, lembra. “Só ouviram falar em ecologia direito na Eco 92.”
Gelli gosta de citar exemplos: a disputa de dois pássaros por um
alimento é um deles. O designer explica que, se a disputa for prolongada por
mais tempo do que o necessário, passa a não valer mais a pena para nenhum. Os
corais e outros ecossistemas apresentam também seus estilos de negociação. Não
se trata de filantropia – é algo mais próximo da máxima grega que prega o “nada
em excesso”: “A natureza detesta desperdícios”, diz Gelli. “O conceito de lucro
existe na natureza. Um organismo tem seu próprio lucro, e, para a natureza, é
fundamental que todos estejam lucrando, ou o ecossistema se desestabiliza. É o
que chamamos de valor compartilhado. Da mesma forma, não há nada de antinatural
na competição. A evolução das espécies depende dela. Ela faz com que alguns
organismos ganhem capacidades extras. Só que nos ecossistemas, a competição é
equilibrada pela lógica da cooperação, e no mundo humano a competição é marcada
pela ganância. Se você não tem cooperação, acontecem disputas que são negativas
para todos.”
A
conclusão de Gelli vai muito além de tendências do mundo corporativo. A
neurociência chegou às mesmas conclusões, como prova o livro Braintrust:
What neuroscience tells us about morality, lançado em 2011 pela
pesquisadora americana Patricia S. Churchland, que vasculha a formação da
moralidade nos animais e a entende como um fenômeno da natureza, que passa pela
atividade do hormônio oxitocina, produzido pelo hipotálamo e apelidado de “o
hormônio do amor”. Até o famigerado networking (a rede de relacionamentos do
mundo do trabalho) tem os dois pés na neurociência e na amiga oxitocina.
Nós
S/A
Pela
lógica do bionegócio, não existe nada mais antiecológico do que um sistema
baseado em repetidas puxadas de tapete e em colegas de trabalho no papel de
inimigos em potencial. A lógica yuppie da competição predatória e do “seu
colega é seu competidor” precisa desaparecer. “As empresas estão buscando
estabelecer conversas. Os competidores passam a ser parceiros, os inimigos
passam a ser frenemies, friends + enemies”, afirma Adriano Silva,
diretor de uma empresa de conteúdo, Doce ofício, em cuja carteira estão grandes
empresas como Philips e Ambev. “Estamos todos em rede. É preciso aprender a
operar e a ser competitivo considerando esse novo paradigma, que requer
cooperação, horizontalismo e audição – e até uma boa dose de humildade,
compaixão e paciência por parte dos antigos tubarões.”
Silva
foi o primeiro diretor de marketing da revista Você S/A, lançada em 1998
pela editora Abril, especializada no mundo corporativo, com foco especial na formação
individual de carreiras. Catorze anos depois, ele vê o sistema que ajudou a
cristalizar prestes a ruir. O próprio executivo falastrão, gregário e
“proativo”, rei das famigeradas dinâmicas de grupo, tem sido descartado em
livros como O poder dos quietos (2012), de Susan Cain. “A introversão é
bacana quando aproxima o sujeito dele mesmo”, diz Adriano Silva. “É ruim quando
o trava.”
O
atual editor da revista, Murilo Ohl, diz que o grande problema é que as
empresas ainda hoje estabelecem-se sobre modelos ultrapassados de trabalho.
“Todo mundo quer uma experiência de vida única, original e autêntica”, diz.
“Mas empresas têm muita dificuldade de proporcionar isso. São lugares onde
ainda predomina a hierarquia, os processos engessados e o controle. Mas, ao
mesmo tempo, vejo surgir novas formas de trabalho que podem absorver os
descontentes. São as atividades baseadas em cooperação, coletividade,
compartilhamento do conhecimento e trabalho em rede. Esses formatos ainda
carecem de maior maturidade, mas tudo aponta que eles vão coexistir com o
trabalho tradicional”, completa.
Ricardo
Guimarães, presidente da Thymus Branding e colunista da Trip,
lembra que cooperação não é, necessariamente, oposta à destruição. “Existe a
cooperação predatória”, diz. “É aquela em que indivíduos se unem para destruir
seus semelhantes-diferentes, efeito também da oxitocina, para provar que a
natureza não é virtuosa nem viciosa.”
“A
competição mais séria não é entre os indivíduos da tribo e nem entre tribos,
mas entre as pessoas/tribos e o meio ambiente. E a regra é quanto mais rápido
se aprende a lidar com o ambiente, mais garantida está a sobrevivência. E o
nome disso é evolução. As tribos que competem mais do que cooperam demoram
muito para aprender e acabam sucumbindo ao ambiente. Portanto, a lei da selva
que determina a sobrevivência não é a competição, mas a cooperação. Tudo isso é
ciência, OK? Darwin na veia”, observa.
Fred
Gelli – formado em Desenho Industrial, é sócio e diretor de criação
da Tátil Design de Ideias.
Fonte: http://revistatrip.uol.com.br/revista/212/reportagens/o-profissional-do-futuro.html