Alçar
os pais à categoria de heróis é um meio dos filhos se sentirem protegidos
Muitas pessoas se espantam com quem adora lidar com
filhos adolescentes, outras com quem curte a fase de bebês.
Geralmente temos o lado dos pais que lamentam que os filhos não são mais
crianças e o outro, dos que comemoram todo dia pela mesma razão.
Felizes aqueles que curtem todas as fases.
Os perrengues decuidar de bebês e crianças pequenas são bem conhecidos, mas vêm
acompanhados de uma irresistível compensação. Filhos pequenos acham que somos a
última "bolacha do pacote". Afinal, quem quer se imaginar sendo criado
e dependendo totalmente de sujeitos frágeis e ignorantes?
Alçar os pais à categoria de super-heróis, ignorando
suas falhas, é a forma que encontramos de nos sentirmos protegidos em um mundo
gigante e assustador. Não esqueçamos que esse artifício continua sendo usado
pelos adultos tanto nas relações mais íntimas, quanto nas crenças religiosas e
nos salvadores da pátria. Alguém nos salvará dos perigos do mundo e da morte.
Resta saber quem salvará o salvador.
Mas falemos dos desafios com os adolescentes.
O gosto pelo convívio e criação defilhos adolescentes pode soar bizarro para alguns
pais que sofrem de insônia imaginando sexo, drogas e rock'n roll que
irão enfrentar, mesmo com os filhos ainda no jardim da infância. Tendo os pais
mesmos passado por essa fase e encarado diferentes riscos, podem projetar nos
filhos tanto o que fizeram de perigoso e irresponsável, quanto o que gostariam
de ter feito, mas não tiveram coragem.
Tanto as meninas ocidentais quanto as orientais, segundo
Rania Matar, parecem lidar com o mesmo tipo de pressões e expectativas nesta
fase de amadurecimento. Na foto, Emma, de 18 anos, que vive em Brookline,
Massachusetts /Rania Matar
Mas não é só isso que assusta
os pais de futuros adolescentes, embora saibamos que os perigos reais são bem
reais. Há também uma preocupação com os afastamentos dos filhos, medo de brigas
e desencontros. E os pais não estão errados.
O adolescente cobra de volta todo o excesso narcísico
que ele depositou em nós indevidamente durante sua infância. Como a perda de
cetro e coroa usados apenas no desfile de carnaval, a adolescência é a
quarta-feira de cinzas de nossas fantasias de poder como pais, incensadas pela
inocência de nossos filhos.
De volta ao mundinho ordinário de onde nunca deveríamos
ter saído, passamos a ser comparados com as mães e pais dos outros,
professores, colegas e amigos, mas não em pé de igualdade, pois já valemos
menos de saída. Afinal, eles já foram enganados uma vez, não nos darão outra
chance.
É aí que os pais podem insistir no erro buscando um
reinado que só serviu para proteger os filhos das angústias próprias da
infância. Reinado no qual não deviam ter se fiado, sob pena de impostura.
A decepção é garantida e é mútua. Não somos o que eles esperavam,
tampouco eles se saíram como havíamos sonhado. Reconhecer que no mundo não há
super-heróis é necessário para que o jovem possa se sentir mais potente e, com
sorte, menos crente em sujeitos superiores —crença que tendea infantilizá-lo. Os filhos terão que desconstruir nossa imagem
idealizada se quiserem assumir eles mesmos um lugar potente no mundo.
Insistir em manter o brilho no olhar que eles nos
lançavam enquanto fazíamos coisas corriqueiras cria dois riscos. O primeiro é o
de dificultar o trabalho de luto que eles terão que fazer com nossa ausência,
fazendo crer que não poderiam viver sem nós. O outro é deles terem que nos
lembrar diuturnamente como somos velhos eultrapassados para se sentirem menos frágeis e inseguros. Esperemos
respeito, não idolatria.
Criar adolescentes implica em considerável espírito
esportivo. De esporte radical, claro.
Vera Iaconelli - diretora do Instituto Gerar, autora de “O Mal-estar
na Maternidade”, é doutora em psicologia pela USP.
Fonte: coluna jornal FSP