Tese
sobre natureza dual da matéria passou pelas mãos de Einstein e Schrödinger.
Cem anos atrás, a física estava bem bagunçada. A explicação do
efeito fotoelétrico, que valeu a Einstein o prêmio Nobel da física de 1922,
revelara que a luz se comporta de forma muito estranha: em alguns fenômenos
parece ser formada por ondas, em outros parece consistir de partículas. Também,
o modelo de Bohr-Sommerfeld descrevia muito bem o átomo do hidrogênio, mas
fracassava embaraçosamente em explicar o comportamento dos demais átomos.
Pelo menos numa coisa havia consenso: a matéria é feita de
partículas (elétrons etc). Até que, em 1924, o jovem estudante Louis De Broglie
submeteu uma tese de doutorado na Universidade de Paris (Sorbonne) com uma
sugestão perturbadora: tal como a luz, a matéria também teria natureza dual,
ora ondulatória, ora corpuscular.
Não havia evidência experimental e talvez essa especulação
tivesse sido ignorada se não fosse por um detalhe: o tímido e reservado De
Broglie pertencia a uma das grandes famílias aristocráticas da França, vindo a
suceder a seu pai e seu irmão no título de duque. Foi seu irmão mais velho,
Maurice, também físico —mas que de tímido e reservado não tinha nada— que
pressionou o departamento de física para que a tese de Louis fosse tomada a
sério.
Situação delicada para o chefe de departamento, Paul Langevin:
recusar trabalho tão importante seria ruim para a reputação da Sorbonne, caso
ele fosse correto, mas aceitar uma tese que depois se revelasse estar errada
seria igualmente embaraçoso.
Langevin apelou para o amigo Einstein, que estava de visita, mas
sem dar o braço a torcer. “É claro que sabemos o que fazer com a tese”,
afirmou, “mas suas sugestões são muito bem-vindas.”
Não sabendo o que responder, Einstein enviou o trabalho ao amigo
Pieter Debye, da Universidade de Zurique, o qual o passou ao jovem colega
austríaco Erwin Schrödinger. “Estude esse artigo e apresente no seminário no
mês quem vem.” Debye disse: “É uma teoria ondulatória estranha, não tem
equações. Veja se consegue escrever algumas equações”.
Inicialmente, Schrödinger não ficou muito entusiasmado.
Mas o emprego dele na universidade era temporário, tinha que mostrar serviço
para impressionar o chefe. Retirou-se para um chalé nas montanhas suíças e
voltou duas semanas depois com a informação de que a teoria de De Broglie não
tinha nada de errado, e de que tinha conseguido deduzir duas equações. Ele
viria a ganhar o prêmio Nobel da física em 1933, justamente pela formulação
dessas equações.
O endosso de Schrödinger à teoria de De Broglie foi
transmitido a Einstein, o qual se comunicou com Langevin. “Dê o doutorado ao
garoto. Afinal, que mal ele pode fazer com uma tese de física?”
Três anos depois, Einstein estava recomendando De
Broglie para o prêmio Nobel da física, que ele de fato ganharia em 1929.
Marcelo
Viana - diretor-geral do Instituto de
Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.
Fonte:
coluna jornal FSP