A
internet é o paraíso das mentes vadias. Parecemos sérios com as mãos nos
teclados à frente de um computador. Se não tiver ninguém de olho na nossa tela,
bem, aí podemos entrar no Facebook, jogar, ver fotos de sacanagem, ler e
responder mensagens totalmente pessoais, fazer compras, qualquer coisa. Ou o
administrador da rede do lugar onde se estuda ou trabalha bloqueia isso tudo,
ou parece inevitável que vamos nos dispersar.
Quando o telefone foi introduzido nos ambientes de trabalho
aconteceu algo semelhante. Quanto maior a disponibilidade de linhas e
aparelhos, maior a dificuldade de impedir funcionários de fazer ou receber
telefonemas pessoais na hora do serviço. Só que era mais fácil de detectar.
Lembrei de uma tirinha do personagem Dilbert. O sujeito estava
procrastinando na frente do computador, como sempre, mas tinha acabado de
desenvolver um sistema esperto. Ao sentir que o chefe se aproximava da sua
baia, Dilbert apertava uma espécie de botão pânico e sua tela, qualquer que
fosse, era substituída instantaneamente por uma planilha Excel.
Esqueça o chefe. Qualquer dificuldade na atividade do momento já
é motivo para trocá-la por alguma outra que possa dar satisfação mais
rapidamente. Troque "dificuldade" por "desafio" e
"satisfação" por "retorno", na frase anterior, e temos
então uma linguagem mais corporativa. O fenômeno é o mesmo. Está bem, admito
que agora estou complicando, em vez de explicar meu raciocínio. Também, com um
ídolo como o gênio da comunicação Chacrinha ("estou aqui para confundir,
não estou aqui para explicar"), o que podiam esperar de mim?
Aí vem o intelectual italiano Domenico de Masi falar de ócio
criativo e dizer que, graças aos "índios" (como se "índios"
fossem um monolito), o ideal da eficiência não conquistou os brasileiros. Disse
mais: disse que os índios "não trabalhavam" (de onde ele tirou essa
ideia?) e que "não precisavam" já que "tudo estava na
natureza". Certo, as maçãs ou os açaís, no caso, deviam cair no colo dos
"índios", bem como os porcos selvagens devidamente caçados e assados,
para não falar das armas, da cestaria, da cerâmica e das malocas, que já deviam
brotar sozinhas da terra, que nem precisava ser plantada para tudo dar.
A entrevista saiu na Folha semana passada. Para não errar na
citação, busquei no Google as palavras "Folha", "De Masi" e
"índios". Sabe onde caí? No site do Ministério da Fazenda, onde a
reportagem da Folha foi transcrita no mesmo dia da
publicação.
Pois é. Deve ser o tal ócio criativo no Ministério da Fazenda:
enquanto uns trabalham e pagam impostos, outros arrecadam e se divertem com as
ideias do De Masi.
Será que De Masi já ouviu falar que entre as coisas que os
europeus aprenderam com "índios" brasileiros estava o costume do
banho diário?
Ponho "índios" entre aspas porque tal conceito também
é uma mera invenção europeia. Preguiça de quem não quer se dar ao trabalho de
saber que no Brasil, mesmo depois de cinco séculos de dominação e exploração,
existem ainda mais de 300 etnias que falam mais de 270 línguas, segundo censo
do governo. Ainda assim, é mais fácil ter acesso ao pensamento de italianos do
que de nativos.
Marion Strecker - jornalista, fotógrafa e uma das pioneiras da internet no Brasil,
integrou o grupo de fundou o UOL e dirigiu sua equipe de conteúdo por quase 15
anos, até fevereiro de 2011.
Fonte: jornal Folha
de São Paulo