O segredo é ser pequeno


O segredo é ser pequeno

O que centenários mais tem em comum é baixa estatura

Archibald, meu dinamarquês, acabou de completar seu sétimo aniversário. 

É bem menos do que a longevidade máxima registrada para cães, de 24 anos, segundo a tabela de dados que compilei para minha pesquisa, e ainda abaixo da longevidade média da espécie, de em torno de 11 anos

Matematicamente, eu deveria ter uma boa chance de ainda poder curtir mais uns quatro anos com meu cachorrão.

Mas matematicamente não quer dizer grandes coisas sem se considerar a biologia. 

Como todos que ouvem minhas palestras sobre como a longevidade entre espécies depende do número de neurônios corticais adoram me perguntar: não é verdade que cachorros grandes vivem menos do que cachorros pequenos?

Não era a pergunta da vez, mas quando os dados surgiram na minha tela, o desvio de curso foi inevitável. 

Eu estava atrás de dados sobre a relação entre o tamanho de cães recém-nascidos, o tamanho da ninhada, e o da mãe —mas um dos artigos também acrescentava longevidade. Então lá fui eu.

Quanto maior é a raça, menor é a expectativa média de vida dos cachorros, de fato. Para um mesmo tamanho do corpo, cães mestiços vivem em média entre um e dois anos a mais do que os "puros", mas a desvantagem de ser grande corta a longevidade média dos maiores cães pela metade em ambos os casos.

Não é uma questão de falta de diversidade genética, nem um problema criado pela seleção artificial de cachorros de tamanhos diferentes, obra de humanos caprichosos. 

Não há o que selecionar se não existir variação natural para começo de conversa, e variação de tamanho existe tanto entre cachorros quanto entre ratos, camundongos, e também humanos.

E, em todas as quatro espécies, quanto maior é o animal, menor é a expectativa de vida.

A lenda de que ser maior é vantajoso em termos de saúde vem da correlação histórica entre o aumento óbvio da estatura média da nossa espécie ao longo dos últimos dois séculos e da nossa longevidade média, ambos frutos de melhor higiene, nutrição e cuidados médicos. 

Mas entre idosos vivos em um dado momento, a correlação é inversa: a expectativa de vida é significativamente maior quanto menor a altura de uma pessoa, a ponto de a diferença entre homens e mulheres desaparecer.

A explicação envolve os efeitos do hormônio do crescimento e do fator de crescimento semelhante à insulina, abreviado IGF-1. 

Quanto maior a produção desses hormônios, mais o indivíduo cresce —e maior é o risco de desenvolver doença cardiovascular, câncer e diabetes, justamente três das quatro maiores causas de morte no Brasil.

Curiosamente, a estatura é um fator sistematicamente ignorado quando se fala das "zonas azuis" do mundo. 

Essas localidades, famosas pela alta incidência de pessoas centenárias, como a Sardenha, na Itália, e Okinawa, no Japão, também são ricas em pessoas pequeninas. 

Quando a altura na juventude é levada em conta, a característica em comum dos anciãos é serem baixinhos, o que vem com doses saudavelmente baixas de IGF-1, e menor risco das doenças associadas.

Não sei se não se fala a respeito por desconhecimento ou para vender dietas, livros e receitas, pois afinal a estatura não se muda depois de adulto. 

Mas reconhecer a importância do fator tamanho para a longevidade de cães e pessoas é o primeiro passo para agir a respeito, fazendo exercício e não comendo demais. Archibald, magro e saudável, assina embaixo.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA)

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