O horário eleitoral gratuito é uma instituição democrática
saudável. Ele garante à sociedade acesso às propostas de candidatos aos cargos
públicos independentemente do poder econômico de cada um deles.
Nos Estados Unidos, um grande ícone do jornalismo, Walter
Cronkite, liderou por décadas uma campanha pela instituição de sistema parecido
para diminuir a influência do capital sobre as urnas.
Mas a cada dois anos a maioria dos brasileiros se queixa, com razão,
do que partidos e políticos lhe mostram todos os dias nesse espaço, ocupado em
geral não por ideias, mas por mentiras, calúnias, mistificações.
É
comum surgirem propostas bienais para remediar o problema. Este ano, por
exemplo, José Dias Toffoli, jovem e hiperativo presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), prometeu providências, na velhalógica brasileira
de que legislar é a solução.
Disse que vai mandar ao Congresso proposta para reduzir pela
metade o período da campanha e proibir trucagens e efeitos especiais na
propaganda. Em 1976, a Lei Falcão foi radical nessa linha: permitiu à
propaganda só nome, foto, partido, número e súmula biográfica do candidato.
Dias Toffoli também quer interferir na ciência estatística e
impor margens fixas de erro às pesquisas de intenção de voto.
Além
de prometer, o TSE também agiu para garantir, à moda
dos ditadores, o bom
nível da propaganda: proibiu a reprodução na propaganda eleitoral de artigos e
reportagens publicados na imprensa.
Trabalho
contestado
Nenhum problema complexo no âmbito do debate público se resolve
com leis ou censura. Mas uma instituição importante e boa pode ser aperfeiçoada
pelo trabalho de outra instituição de qualidade similar.
O melhor corretor da propaganda eleitoral enganosa é o trabalho aplicado
da imprensa independente. Os veículos jornalísticos podem e devem exercer o
papel de fiscalizador do que é veiculado na propaganda.
Podem alocar após cada bloco de anúncios de candidatos tempo
proporcional para corrigir equívocos, distorções, fantasias ou difamações
transmitidos na véspera.
É
verdade que jornais e revistas já fazem um pouco disso no Brasil.
Mas, para ter eficácia, esse processo teria de ser sistemático e atingir
maximamente as pessoas que assistiramà propaganda
enganosa.
Os veículos poderiam eles próprios realizar a checagem ou se
valer do trabalho de organizações não governamentais idôneas e apartidárias ou
de universidades. Há diversos bons exemplos de iniciativas similares pelo
mundo.
Nos
Estados Unidos, já é consagrado o trabalho realizado desde 2003 pelo
FactCheck.org, mantido pela Annenberg School for Communication e financiado
pela Annenberg Foundation, que desmentiu diversos anúncios nas campanhas
presidenciais americanas de 2008 e 2012. O PolitiFact.com, iniciado em 2007 pela
publicaçãoCongressional Quarterly, é agora operado por um grupo de
empresas jornalísticas americanas de diversas cidades.
Outro exemplo, o FactCheckEU.org, criado em janeiro de 2014 pela
organização sem fins lucrativos NumbersEU e financiada pela Stiftung Mercator,
atua não só em épocas de campanhas eleitorais.
No Reino Unido, o FactCheck do Canal 4 teve importante papel no
recente plebiscito pela independência da Escócia.
É claro que essas e outras entidades não estão livres de seus
próprios erros e de acusações por parte de candidatos ou partidos que se sentem
prejudicados pela sua atuação. O FactCheck.org foi brutalmente contestado pelo
Partido Republicano em 2004 e pelo Partido Democrata em 2012.
Não há instituições perfeitas. Mas, na luta pela democracia, é
com elas que a sociedade pode mais contar.
Carlos Eduardo Lins da Silva -
livre-docente, doutor e mestre em comunicação; foi diretor-adjunto da Folha
de S.Paulo e do Valor.
Fonte:
Revista de Jornalismo ESPM nº 11 (outubro, novembro e dezembro de
2014);