Decifrando as escritas da antiguidade europeia
Símbolo
de progresso, descoberta de línguas antigas é rara.
Maio de 1953 foi um mês extraordinário. Os
montanhistas Tenzing Norgay e Edmund Hillary alcançaram pela primeira vez o
cume do monte Everest, o ponto mais alto da superfície terrestre.
A revista
Nature publicou artigo dos cientistas Francis Crick e James Watson propondo a
estrutura de dupla hélice da molécula do DNA.
E o arquiteto Michael Ventris
decifrou a escrita Linear B, talvez a mais antiga da Europa, usada em Creta e
na Grécia no segundo milênio a.C..
Proezas atléticas, avanços científicos, descobertas
de escritas antigas: dos três tipos de progresso da humanidade, o último é o mais raro.
A primeira grande
língua da antiguidade a ser decifrada foi o egípcio, demótico e hieroglífico.
Seguiram-se, ainda no século 19, os principais idiomas da Mesopotâmia: persa
antigo, elamita, babilônia, acádio e sumério.
Na primeira metade do século 20, foi a vez de
algumas escritas europeias e do Médio Oriente: hitita, ulamita e Linear B. Já
na década de 1970, a descoberta dos glifos maias veio mostrar que o Novo Mundo
também desenvolveu sistemas extremamente sofisticados de escrita e linguagem.
Mas muitos escritos do passado permanecem indecifrados, seus símbolos
misteriosamente silenciosos.
PEDRA DE ROSETA
Homero
escreveu na Odisseia:“Existe uma terra chamada Creta, localizada no mar cor de
vinho, linda e fértil, cercada pelo oceano.
Os que nela vivem são inumeráveis,
e nela existem noventa cidades. Sua população fala
muitas
línguas. Entre as suas cidades está a poderosa Knossos, de que foi rei Minos,
que a cada nove anos se aconselhava com o próprio Zeus”.
Dois milênios e meio depois, em 1900, o arqueólogo
britânico Arthur Evans (1851–1941) escavou as ruínas de Knossos, no norte de
Creta, descobrindo o “palácio de Minos” com seu famoso labirinto, lar do
monstro Minotauro, metade homem e metade touro.
Nas décadas seguintes, Evans
gastou a fortuna da família reconstruindo o palácio do jeito como achava que
deveria ser...
Foi ele quem observou que os textos encontrados no
palácio usavam três tipos de escrita, que chamou Linear A, Linear B e
hieroglífica, e que passou 40 anos de sua vida tentando decifrar.
O progresso
foi modesto, em parte devido à sua insistência de que os textos estariam num
idioma “minoano” do qual nada se sabia.
Quando morreu, em 1941, sua casa em Creta
tornara-se o quartel-general das tropas nazistas de ocupação, e o mundo estava
de pernas para o ar.
Seus amigos e colegas se mobilizaram para impedir que os
preciosos achados arqueológicos se perdessem.
Mais textos em Linear B foram
achados por essa altura na própria Grécia, invalidando a tese de Evans de que o
idioma seria exclusivo de Creta.
Isso teria um papel um importante em apontar
as pesquisas na direção certa.
Marcelo
Viana - diretor-geral do Instituto de
Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.