Que matemática ensinaremos no futuro?


Avanço tecnológico com impacto no cotidiano realçou ainda mais papel da matemática como ferramenta para entender o mundo.

 

O alemão Felix Klein (1849–1925) foi um dos maiores matemáticos do seu tempo por seu trabalho profundo sobre o papel da teoria dos grupos na geometria. Mas ele é lembrado também por sua influência inovadora no ensino de matemática. Em seu livro “Matemática Elementar de um Ponto de Vista Superior”, analisou com notável lucidez o universo da educação básica.

Entre outras propostas, Klein apontou a necessidade de atualizar os conteúdos escolares, incorporando os avanços mais recentes da ciência. “É notável que os desenvolvimentos modernos tenham passado pelas escolas sem causar mínimo efeito na instrução. A razão é que a instrução matemática e os progressos constantes da pesquisa matemática perderam todo contato entre si no início do século 19”, escreveu.

Passado outro século, as ideias e preocupações de Klein são mais atuais do que nunca. A aceleração do desenvolvimento tecnológico, com impacto quase imediato no cotidiano, realçou ainda mais o papel da matemática como ferramenta para entender o mundo. Dar a nossos jovens a formação adequada para o presente, e para o futuro, é um desafio que é necessário e urgente enfrentar.

Esse fato ficou ainda mais patente durante a pandemia. Quantos de nós estão habilitados a compreender de verdade a ideia de “crescimento exponencial” e suas dramáticas implicações? Se a matemática que ensinamos não capacitar os jovens para ler gráficos, como fazer a sociedade perceber a necessidade de “achatar a curva”?

A probabilidade se tornou uma disciplina matemática madura em meados do século 20 e hoje em dia permeia toda a ciência e tecnologia, da mecânica quântica ao mundo dos negócios. A estatística, sua prima, é a área da matemática mais diretamente relevante para o dia a dia e está na base da ciência dos dados, responsável pelos avanços tecnológicos mais excitantes dos últimos anos. Sua presença na sala de aula em todos os níveis ainda não está em compasso com as demandas reais.

A combinatória, matemática dos conjuntos finitos, está no alicerce da ciência e tecnologia da informação. A geometria alia a intuição visual à ideia de rigor matemático, ideal para fazer matemática com as próprias mãos. A lógica fundamenta todo o pensamento racional e os avanços da inteligência artificial. Todas precisam ter espaço na escola compatível com a sua importância real no mundo em que vivemos.

Avanços importantes têm ocorrido, como a promulgação da Base Nacional Comum Curricular. Mas a discussão que construiu a Base deve abrir espaço para (re)pensar tanto conteúdos quanto práticas consonantes com as demandas dos nossos dias. Tomando como inspiração os melhores exemplos de sucesso no mundo todo.

Tornar a Base Nacional Comum Curricular realidade nas escolas brasileiras é uma tarefa hercúlea, pela qual o futuro do Brasil não pode esperar.

Marcelo Viana - diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

Fonte: coluna jornal FSP

 

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