Esgotamento mental é um dos sinais do adoecimento
do nosso modo de vida
Um
terço dos trabalhadores no Brasil relatam problema, segundo entidade.
Os primeiros raios de sol surgem pela janela depois
de outra noite mal dormida. O dia amanhece, mas a vontade é de continuar na
cama.
Mesmo o descanso de um final de semana tranquilo não é suficiente para
recuperar a energia. Dores musculares aparecem aqui e ali.
No trabalho, há uma dificuldade para manter a concentração.
A venerada produtividade diminui e, gradativamente, a procrastinação vira uma
ingrata companheira.
Tarefas que antes eram fáceis de serem cumpridas ficam
difíceis até de serem iniciadas.
A paciência vai embora juntamente com a capacidade
de sentir satisfação com os sorrisos que a vida oferece. Pequenos incidentes do
cotidiano costumam gerar uma irritação difícil de ser contida.
Isso tende a ficar
mais claro no trânsito. Não são raras as perdas de controle. A impressão de ter
passado do limite aumenta e, ao mesmo tempo, um sentimento de impotência pode
começar a surgir.
O atribulado cotidiano moderno faz com que todos
sintam algum nível de cansaço em determinados momentos. Isso é normal. Muitos
conseguem se recuperar depois de alguns dias de descanso.
Porém, apesar de ser
uma das marcas dos tempos atuais, a sensação de estar perenemente cansado não é algo natural.
Tal cansaço pode evoluir para quadros mais graves
de exaustão mental, e costuma vir acompanhado de diversos sintomas, que podem
até incapacitar as pessoas de executar tarefas básicas do dia a dia.
Existe uma
fronteira pela qual, quando se passa, o corpo começa a apresentar sinais de
falha e sua recuperação tende a ser demorada, além de custosa.
No Brasil, a proporção de pessoas que passaram de
seus limites é elevada. De acordo com a Internacional Stress Management
Association, cerca de 32% dos trabalhadores apresentam esgotamento
profissional.
Os fatores que contribuem para isso são diversos e muitos deles estão
relacionados ao nosso atual modo de vida. Existe demasiado foco na
produtividade e metas. Não raramente, até interações sociais corriqueiras
viraram relações de trabalho.
O prazer e a busca pela satisfação pessoal
costumam ficar em segundo plano. Em muitos casos, a intenção de melhorar
continuamente o desempenho profissional está, paradoxalmente, diminuindo os
resultados obtidos não só no trabalho, mas em outros aspectos relevantes da
vida.
As relações de
trabalho em várias ocupações estão mais frágeis. Além da angústia gerada pela incerteza de posições com vínculos
flexíveis, aqueles que têm emprego
ficam com medo de perdê-lo.
Por sua vez, enquanto trabalhadores de baixa renda
enfrentam diversas batalhas para garantir a subsistência, os de alta renda
costumam se viciar com o alto retorno que suas ocupações lhes proporcionam,
oferecendo cada vez mais de si em troca de dinheiro e reconhecimento.
Por
vezes, esquecem de buscar em suas trajetórias um preenchimento de propósitos
que vá além daqueles circunscritos somente às relações de trabalho.
Existem muitos desafios que precisamos encarar como sociedade.
Desses, a saúde mental da população não deve ser menosprezada. No caso do
esgotamento, seu tratamento não é simples.
É necessário ter o acompanhamento de
um bom profissional de saúde mental. Algo a que nem todos têm acesso.
Além disso, costuma passar por uma mudança em certos hábitos e
até pela redefinição de alguns valores.
Requer ir além de olhar só para os
resultados profissionais, mas também aproveitar o caminho que leva a cada
conquista e procurar enxergar com maior nitidez as nossas necessidades
essenciais como seres humanos.
MICHAEL FRANÇA - ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi
pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.