Transacionar com bitcoins, mais do que um investimento, é um
voto de confiança no sistema.
O mundo digital mediu grandezas que não podiam ser quantificadas
e criou estruturas de valores que colocaram em crise a ideia que se tinha do
valor do dinheiro.
Atenção, reputação, fidelidade e intenção de compra hoje são tão
mensuráveis e tangíveis quanto títulos e derivativos --e tão voláteis quanto
eles. As novas transações deixam claro o que o acordo de Bretton Woods tinha
esclarecido aos economistas: que o dinheiro não precisa ter lastro em ouro ou
outra commodity, até porque o valor dessas mercadorias é aleatório.
Moedas alternativas não são novidade. Na forma de ações, ouro,
pedras preciosas, terras, arte ou influência, quantias gigantescas são trocadas
diariamente, nem sempre às claras. Nos aeroportos de paraísos fiscais,
contêineres guardam pedras brilhantes, trocadas por seus donos em um sistema
que beira o escambo, oculto ao governo.
Mesmo entre os comuns, cuja demanda por liquidez não permite que
o patrimônio seja imobilizado em mercadorias, o papel-moeda é rapidamente
substituído por cartões de plástico. Os créditos do vale-refeição e do bilhete
único são comercializados abertamente. Para quem não tem condições de
participar do sistema bancário, moedas alternativas estimulam trocas e o
empreendedorismo social. Em países africanos, serviços de transferências de
valores e pagamentos digitais via SMS são populares.
Uma das moedas alternativas mais recentes é o bitcoin. Seu
lastro é matemática pura, na forma de criptografia. Um código muito complexo
foi disponibilizado na internet, gerando moedas virtuais (bitcoins) para
máquinas que se dediquem a resolvê-lo. Esse processo, chamado de
"mineração", também é usado para validar as transações.
O desafio é logarítmico: começou fácil, gerando muito com
pouquíssimo esforço, e se complicou com o tempo. De um total máximo de 21
milhões que estarão disponíveis em 2140, quando o último pedaço for
decodificado, 57% já foram criados. Em 2017, a fatia chegará a 75%.
Ao contrário do que se diz, o bitcoin não é sigiloso. Existem
várias formas de identificar transações, mesmo que o sistema seja criptografado.
Seu maior benefício é o de criar uma moeda descentralizada, livre dos bancos
centrais.
Por ser independente, não há quem o controle. Por isso ele
oscila tanto. Nos últimos meses valorizou mais de 700%, chegando a um pico de
US$ 1.242 por unidade --próximo ao valor da onça de ouro.
Transacionar com bitcoins, mais do que um investimento, é um
voto de confiança no sistema. Mas é preciso utilizá-lo. De nada adianta guardar
um título sem garantia ou valor de revenda. E é aí que reside o problema. O
volume de transações ainda é muito pequeno.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia descobriram que
quase dois terços dos bitcoins nunca foram gastos. Dos comercializados, um
grande volume foi para um site de apostas. Outro foi para a Silk Road, site
fechado em outubro.
Mesmo assim o BC dos EUA dá sinais de regulá-lo, e a China se
manifestou contrária à moeda. Ambos são passos para sua legitimação.
Bitcoin é só uma das novas moedas digitais. Mesmo que não dê
muito certo, outras surgirão. E podem fazer com que as economias do mundo
finalmente se comportem.
Luli Radfahrer - professor-doutor de Comunicação Digital
da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos, trabalha com
internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de
publicidade do país, é hoje é consultor em inovação digital, com clientes no
Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro 'Enciclopédia da Nuvem', em que analisa 550 ferramentas e
serviços digitais para empresas.
Fonte: blog www.luli.com.br