Por mais que a economia tenha se
estabilizado e viabilizado o planejamento de longo prazo, ainda é forte entre
os brasileiros a propensão ao uso do cheque especial para custear compromissos
assumidos. Com mais de 65% da população recorrendo todos os meses a essa cara
modalidade de crédito, mesmo contando com outras linhas mais baratas, é
surpreendente que não se perceba o equívoco.
Porém, em uma análise mais ampla do uso
do dinheiro, considerando a economia como um todo e não apenas as famílias,
percebemos que o apetite pelo crédito de má qualidade é fortemente enraizado em
nossa cultura.
Nas empresas de micro, pequeno e médio
porte, é comum a prática de usar recursos em caixa ou de aportar capital para a
compra de equipamentos ou para a reforma de instalações. Isso é insensatez
quando se constata a disponibilidade de linhas de crédito de baixo custo
especificamente concebidas para financiar a compra de máquinas e reformas.
Os empresários evitam os financiamentos
baratos e depois recorrem a empréstimos caros, como os limites de conta
garantida e linhas específicas para custear seu capital de giro. Seria mais
sensato planejar o crescimento, usar o dinheiro barato dos bancos e, na
necessidade de capital de giro, contar com recursos próprios. Mas, a
incompetência em prestar informações para atender ao que se chama de burocracia
e a conveniência dos empréstimos facilmente conduz os empresários ao cheque
especial. Falta, neste caso, uma maior disseminação da educação empreendedora,
incluindo o aprendizado sobre as finanças dos negócios.
O governo também dá seu mau exemplo. Em
países desenvolvidos, governos arrecadam para investir no crescimento da
sociedade. Nos EUA e Canadá, é conhecido o conceito de “new community”, em que
municípios e estados/províncias usam o caixa disponível para instalar toda a
infraestrutura necessária em locais que futuramente se tornarão um bairro. Usam
incentivos fiscais para convidar grandes lojas ou shoppings a se instalarem
antes mesmo dos moradores. A infraestrutura bem planejada facilmente convence
novos moradores a se mudarem para esses locais, trazendo novos impostos que
remunerarão o Estado pelo investimento feito.
Por aqui, a falta de planejamento leva o
Estado a agir somente quando os problemas são insustentáveis. Remendar
desigualdades, problemas de saneamento e caos no transporte sai bem mais caro
do que investir na prevenção deste tipo de problema. Mas, é uma marca de nossa
cultura.
A situação se mostra mais grave quando
percebemos que, para corrigir este equívoco e entrar em um ciclo de crescimento
planejado, temos dois sacrifícios a fazer: 1) investir pesadamente tempo e
dinheiro para eliminar as desigualdades mais graves, e 2) colher os resultados
de uma sociedade mais eficiente para então poder investir de maneira
preventiva. Sabendo que a primeira etapa ainda está longe de ser alcançada, o
cenário para o crescimento da economia brasileira não pode ser classificado
como positivo. O mau exemplo de uso do cheque especial deve continuar vindo de
cima.
Gustavo Cerbasi
- consultor financeiro e autor de Casais Inteligentes Enriquecem Juntos (Ed.
Gente), Como Organizar sua Vida Financeira (Elsevier Campus) e Os Segredos dos
Casais Inteligentes (Ed. Sextante)..
Fonte: www.maisdinheiro.com