A economia, a física e as expectativas
Ao
longo das últimas décadas, a ciência econômica foi se aproximando das ciências
naturais.
Ao longo das últimas cinco décadas, a ciência econômica foi se
aproximando, em termos metodológicos e sem perder a ternura, das ciências
naturais, como a física.
Claro, os seres humanos se comportam diferentemente
dos átomos que os compõem, e são acometidos por paixões e irracionalidades que
não vemos nos modelos teóricos da física.
Mas isso não significa que a
abordagem metodológica, quando tratamos de entender os problemas sociais e
econômicos, tenha de ser muito distinta da científica.
Olhamos dados e modelos. Ou melhor, propomos modelos teóricos
com base em hipóteses simplificadoras –e os levamos a encontrar os dados e ver
se rola um clima.
Caso esse encontro revele consistência (o dado goste do
modelo, ao menos sentindo-se atraído por ele, ainda que não completamente
apaixonado à primeira vista), damos um pequeno passo adiante.
Caso não, dá-se
um passo atrás e tentamos de novo com outro modelo. A vida é dura, fazer o
quê...
Fazer ciência econômica dessa maneira rigorosa não
é tarefa fácil.
Nesse quesito, a economia não fica nada atrás de áreas como
física ou medicina. Trabalho empírico é bem difícil de fazer.
Osso duro.
Por
exemplo, um remédio recém-desenvolvido pode ter sua eficácia testada
(obviamente, com todos os protocolos éticos e de saúde seguidos à risca): a um
subgrupo amostral se ministra um placebo, a famosa bolinha de farinha,
e a outro subgrupo, o remédio real.
Subgrupos aleatoriamente separados, para
que não predominem condições de saúde ou predisposições genéticas em nenhum.
Depois é só ver o resultado médio de cada grupo. Se forem muito diferentes, o
remédio funciona!
Em ciências sociais não tem isso. Não podemos
chegar para um grupo de países e propor o seguinte: "Vejam, senhoras e
senhores, queremos testar o impacto da irresponsabilidade fiscal sobre os
índices de pobreza no horizonte de cinco anos.
Então vamos sortear alguns de
vocês para gastarem os tubos, endividarem-se bastante, enquanto a outra metade
vai gastar com moderação.
E aí a gente volta para medir o impacto na pobreza
nacional daqui a cinco anos!"
Ou no caso da relação entre policiamento e mortes
violentas: "Atenção, povo brasileiro, em alguns estados e de modo
aleatório, as forças policiais sairão de férias por um mês para a gente testar
se mortes violentas caem ou sobem nos estados sem policiamento"!
Não podemos fazer isso. Seria bom para o econometrista, mas um
desastre absoluto para a população.
Mas voltemos à física e à modelagem teórica.
Planetas não formam
expectativas sobre o futuro, não reagem a eventos antecipados, não internalizam
o futuro na sua decisão de como orbitar o sol no presente.
Devido à conservação
do momento angular, a Lua se afasta alguns centímetros da Terra a cada ano que
passa.
Mas a expectativa de que daqui a bilhões de anos ela vai estar lá bem
longe não muda nada a trajetória daqui até lá.
Agora, vejam como em economia a
coisa complica: se a expectativa de que uma recessão se avizinha cresce, as
pessoas vão aumentar sua poupança já hoje, cortando consumo; as firmas, por sua
vez, vão parar de contratar, pondo freios no investimento –mas essas ações
interagem com a probabilidade de que uma recessão ocorra!
Se você anunciar que vai jogar um jato de nêutrons num átomo
amanhã, ele não mudará hoje seu comportamento.
Agora avise que mês que vem as
geladeiras terão imposto zero para ver a queda brutal na compra de geladeiras
hoje que essa medida gerará.
Como as pessoas formam expectativas, modelar a
economia é difícil demais...
Mas uma coisa sabemos: ancorar expectativas é possível. Por
exemplo: através de comunicação clara sobre planos de governo e com
diagnósticos bem formulados sobre os problemas a serem enfrentados.
Com a
palavra, portanto, os candidatos!
MAURO RODRIGUES - professor
de economia na USP e autor do livro "Sob a lupa do economista"