É uma pena que as escolas de
ensino fundamental e médio não olhem com atenção para as demais.
De uns 15 anos para cá, passamos a ter boas escolas de educação
infantil. Antes disso, já tínhamos algumas, aqui e acolá, que respeitavam a
primeira infância, ouviam as crianças, reconheciam sua potência de aprendizagem
no ato de brincar e não as separavam por idade ou data de fabricação, como diz
Ken Robinson, britânico estudioso da educação e inovação.
Esse número passou a se multiplicar devido a influências
teórico-metodológicas e de experiências em escolas pelo mundo. Por isso, hoje,
já é possível encontrar uma escola para crianças com menos de seis anos em que
o currículo não seja apenas um elenco de conteúdos, em que o ato de brincar
seja a principal atividade para a criança, em que não haja uma profusão de
brinquedos prontos e em que haja professores com formação contínua e em
serviço.
Está certo que, em relação ao número de creches e de escolas de
educação infantil que temos no país, essas ainda são minoria, mas já é uma boa
notícia saber que elas existem.
Nessas escolas, as crianças aprendem a se concentrar porque a
brincadeira exige isso e porque elas participam ativamente da escolha da
brincadeira, seja em grupo, seja pessoalmente. Aprendem também a fazer
perguntas e a pesquisar para buscar respostas, a exercitar sua criatividade, a
colocar a mão na massa em tudo. Atenção: na massa e não, necessariamente, na
massinha.
Os alunos aprendem, também, a conviver: os professores
aproveitam todas as ocasiões para dar oportunidades de a criança aprender a ver
e a considerar o seu par, a esperar a sua vez, a simbolizar em palavras o que
sente e pensa, a viver em grupo e a ser solidária.
É uma pena que as escolas de ensino fundamental e médio não
tenham humildade para olhar com atenção para as de educação infantil e aprender
com elas. Há uma hierarquia escolar espantosa, caro leitor: as escolas de
graduação pensam que praticam um ensino "superior"; as de ensino
médio se consideram mais especializadas no conhecimento sistematizado do que a
escola de ensino fundamental; e todas pensam que a de educação infantil não
exige conhecimento científico.
Para você ter uma ideia de como isso se materializa, dou um
exemplo: uma professora que trabalhava na educação infantil da rede pública que
é comprometida, estudiosa e pesquisadora, ouviu, na avaliação final do ano
passado, de sua diretora: "É um desperdício você ficar na educação
infantil". Foi transferida para o ensino fundamental.
As escolas de ensino fundamental e médio precisam se inspirar
nas de educação infantil e não deixar o aluno ser totalmente passivo em sua
aprendizagem: ele precisa, para se motivar, fazer algumas escolhas.
O aluno que participou, de alguma maneira, da escolha do que
deve estudar e aprender e do modo de fazer isso não se distrai com tanta
facilidade. E é bom lembrar que uma das maiores queixas em relação aos alunos é
exatamente a falta de atenção, de foco e de concentração.
Precisam também reconhecer que aprende mais quem pratica o que
deve aprender. Como eu já disse: mão na massa! Ninguém merece ficar horas em
aulas expositivas ou arremedos de trabalho em grupo.
O que as famílias têm a ver com isso? Tudo! Quando a sociedade
questionar verdadeiramente a organização escolar atual, certamente teremos
mudanças. Mas, até agora, vemos mais conformismo e adesão do que
questionamentos, não é verdade?
Rosely
Sayão - Psicóloga e consultora em educação
Fonte: caderno cotidiano / jornal FSP