O que esperar para a previdência complementar nos próximos 15 anos?


Nas últimas duas semanas, tratamos a respeito das evoluções ocorridas no Brasil nos últimos quinze anos no ambiente normativo da Previdência Complementar e também no mercado profissional de Atuários. Agora, no encerramento desta série de artigos comemorativos, nos perguntamos: que mudanças podemos prever para a previdência complementar brasileira nos próximos anos?

 

Já que não podemos prever o futuro, traçamos nossas expectativas com base naquilo que se observa pelo retrovisor (retrospectos e históricos) e também nas tendências que se verificam atualmente a partir de estudos e pesquisas, que costumamos acompanhar e, quando possível, participar ativamente. Assim, o que observamos inicialmente é que o histórico de mudanças socioeconômicas ocorridas em nosso país nos últimos 15 anos, citando-se especialmente a ascensão da classe C, o aumento da renda per capita e a melhoria do Coeficiente de Gini[1][1], tem ajudado a despertar o interesse e a necessidade de previdência complementar, que cresce ano a ano. A reforma da previdência social, esperada a partir de 2015, como indica a recente entrevista concedida por Fábio Giambiagi ao jornal Valor (disponível aqui), deve avultar a necessidade de poupança complementar.

 

Se de um lado temos um provável aumento da procura por produtos relacionados à previdência complementar, do outro precisamos saber se os provedores deste mercado possuem a estrutura (técnica, tecnológica e operacional) e o ferramental (produtos e modelagens) necessários para os desafios que os aguardam nos próximos anos. E o aumento da demanda não é o único a compor esta lista.

 

Um tema particularmente sensível para o equilíbrio técnico-atuarial da previdência complementar é a longevidade da população e, nesta seara, as respectivas variações nas projeções de expectativa de vida. O IBGE acaba de divulgar a Tábua Completa de Mortalidade para o Brasil de 2012  mostrando que a expectativa de vida ao nascer em 2012 era de 74,6 anos, acréscimo de 5 meses e 12 dias em relação a 2011 e de mais de três anos quando comparada com o número de 2002, de 71 anos. A tendência que se observa, há vários anos, é de aumento após aumento da expectativa de vida. Mas, qual o limite destes incrementos? E qual será o ritmo de aumento para os anos que virão, em relação ao que se observa atualmente? Tais fatores são centrais para a previdência complementar, pois eles compõem a base dos cálculos que determinam o montante financeiro necessário para que um indivíduo tenha uma aposentadoria tranquila pelo resto de seus dias. Se a expectativa de vida for subestimada, há insuficiência; e se for superestimada, há sobra de recursos, que também é um desequilíbrio indesejável.

 

Estudo publicado pelo Population Reference Bureau é um dentre vários que busca responder a essas perguntas. Citando James Fries, que em 1980 propôs que os seres humanos nascem com um potencial máximo de expectativa de vida de 85 anos, com desvio-padrão de sete anos, o estudo questiona se há um limite para a longevidade ou se o céu é o limite. Hoje, não temos respostas para estas perguntas. Contudo, as próximas décadas certamente trarão um enorme avanço nesta área, à medida que continuamos a testar os limites de nossa longevidade e ao permitir a confirmação ou negação das projeções que hoje realizamos (dentre elas, a polêmica projeção do cientista Aubrey de Grey, ao afirmar que o primeiro ser humano a viver 150 anos já está entre nós).

 

Dentre as mudanças demográficas projetadas para os próximos anos, espera-se um sensível envelhecimento da população: segundo o IBGE, o número de idosos no Brasil irá quadruplicar até 2060. Diversas mudanças resultarão desta tendência, sendo certo que o custo das aposentadorias aumentará, especialmente se não houver mudanças nas regras atuais. A previdência complementar terá, cada vez mais, um papel estratégico para o país, ao prover um mecanismo de manutenção de renda após a fase laborativa.

 

É natural que, para cumprir seu papel, a previdência complementar necessita que a população adquira um maior nível de educação financeira e previdenciária. Ao escrever este artigo, nos deparamos com um post da especialista no assunto, Eliane Miraglia, em seu blog, que buscou inspiração em recente matéria publicada pela Revista EXAME para identificar os potenciais ganhos das atuais tendências demográficas para a economia das nações. Fala-se muito nos ganhos que o bônus demográfico (que ocorre quando o número de pessoas em idade economicamente ativa é muito maior do que a soma de crianças e idosos) pode trazer para o Brasil nos próximos anos. Há, contudo, um segundo bônus demográfico, menos conhecido, que é fruto do aumento do número de trabalhadores entre 50 e 70 anos: com maior nível de educação que a geração que os precedeu, esta fatia da população pode ter grande impacto sobre a produção de riqueza, sobre o consumo e, se devidamente preparada, sobre a poupança previdenciária. Cita-se aqui um trecho da referida matéria:  

 

Um estudo do economista Ricardo Brito, professor do Insper, em São Paulo, estima que o segundo bônus demográfico tem potencial para impulsionar um avanço anual de 2% no PIB por várias décadas. “Para isso se tornar realidade, o governo só precisa fazer reformas que incentivem as pessoas a poupar”, diz Brito.


Assim, apesar de ainda não conseguirmos precisar as mudanças demográficas que estão por vir, já sabemos quais são suas principais tendências, e isto nos permite delinear alguns impactos bastante específicos para os planos de previdência complementar: as pessoas terão que poupar mais e/ou por mais tempo; haverá crescente necessidade de modelagens que permitam melhor gerenciamento dos riscos, em especial de longevidade e mercado, para participantes e patrocinadores; como um aliado a esta necessidade, é provável que em breve tenhamos a possibilidade de utilizar produtos de resseguros para garantir benefícios programados, imunizando os planos desses riscos, acompanhando algo que já ocorre em vários países; e há, sem dúvidas, uma necessidade latente e maiúscula quanto à educação financeira e previdenciária da população e, neste mérito, quanto mais puder ser feito, melhores serão os resultados para todos.

 

Cientes do futuro que lhes aguarda, espera-se que as pessoas demandem, cada vez mais, produtos relacionados à previdência complementar, como já discorremos anteriormente neste artigo. Isto deve provocar alterações, também, nas empresas onde essas pessoas trabalham: prevê-se que um número maior de empresas passe a reconhecer a previdência complementar como um importante benefício a ser oferecido a seus funcionários. Vê-se que há milhares de empresas, de todos os portes no Brasil, que ainda não oferecem a previdência complementar a seus colaboradores e tal benefício se constitui em importante aliado na gestão de pessoas, especialmente em um momento de alta competitividade pela atração e retenção de talentos como o que atravessamos no Brasil.

 

E não se espera crescimento apenas dentre as organizações privadas. Nos próximos anos, devemos observar um aumento significativo no peso de planos patrocinados pela União, Estados e Municípios que acabaram de ser criados, tais como a FUNPRESP, o SPPREVCOM e outros em fase de concepção. Há claros incentivos a esta tendência dentre os governantes de nosso país, que se constitui em esforço muito bem-vindo para equilibrar as contas da previdência do servidor público, cujo déficit anual supera a casa das dezenas de bilhões de reais.

 

Em meio às discussões para fomento da previdência complementar, analisa-se a possibilidade de tornar automática a adesão aos planos, abandonando o atual regime voluntário. Trata-se de um movimento que refletiria tendências mundiais e que representariam um significativo aumento no número de pessoas inscritas em planos de previdência. Mas estas são mudanças que levam tempo e precisam ocorrer de forma muito bem estruturada, como se observou nas experiências do Reino Unido e Nova Zelândia, por exemplo.

 

Por fim, vê-se que a previdência complementar no Brasil é privilegiada ao contar com stakeholders altamente engajados, Governo inclusive. Trata-se de um dos poucos países a contar com uma autarquia exclusiva para fiscalização da Previdência Complementar (PREVIC) e com uma Secretaria voltada a propor políticas (SPPC) para seu crescimento. Ainda, diante das necessidades do país, espera-se que o assunto volte a ser prioritário na agenda dos candidatos às futuras eleições (2014 inclusive), com a inserção de planejamentos plurianuais para incentivo ao setor.

 

É fato, portanto, que há grandes desafios demográficos e socioeconômicos nos esperando nos próximos anos, que tornarão o ambiente cada vez mais complexo e desafiador. Os Fundos de Pensão e demais envolvidos precisam traçar planos estratégicos de longo prazo para que se encontrem adequadamente preparados para o potencial de crescimento que está por vir.


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[1][1] O Coeficiente de Gini é utilizado para calcular a desigualdade de distribuição de renda. Ele consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade de renda (onde todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm).


Guilherme Brum Gazzoni - Administrador, com Pós-Graduado em Finanças e Especialização em Entrepreneurship pela Babson College – Boston / Massachussets. É Diretor Administrativo e Operacional da GAMA Consultores Associados.


Antônio Fernando Gazzoni - Atuário, Administrador de Empresas, com Especializações em Pension Funds and Money Management e Investimentos Alternativos pela The Wharton School - Filadélfia, PA – EUA, e Especialização em Corporate Governance for Institutional Investors, pelo Graduate School of Business of Chicago, IL – EUA.

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