Arquimedes, o homem que media e contava
Até o século 17,
ninguém chegou perto do que ele fizera quase 2.000 anos antes
Quem é o maior jogador de futebol de todos os
tempos? Qual é o melhor guitarrista do mundo? Quem foi a pessoa mais influente
da história?
Comparar, e ranquear, tempos, locais e realidades muito distintas
parece-me um exercício fútil e meio sem sentido.
Então eu também nunca faria um ranking dos melhores
matemáticos (embora neste caso a crítica seja menos relevante, já que a matemática é atemporal e universal).
Mas
uma coisa eu garanto: se tivesse que escolher a meia dúzia dos maiores de todos
os tempos, certamente incluiria o grego Arquimedes.
Nascido em Siracusa, na Sicília, por volta de 287
a.C. e, acredita-se, assassinado por um dos legionários do general romano
Marcellus que conquistaram Siracusa em 212 a.C., Arquimedes foi precursor do
cálculo infinitesimal, introduzindo ideias e métodos que trariam fama a Newton
e Leibniz quase dois milênios mais tarde.
Por meio desses métodos, foi o
primeiro a descobrir as fórmulas exatas da área do círculo, da elipse e da
espiral e do volume da esfera, do paraboloide e do hiperboloide, entre outras
formas.
Ninguém chegou perto disso até o século 17. Não é à
toa que é dele a efígie que orna uma das faces da medalha Fields, o prêmio mais
prestigioso e cobiçado da matemática.
Minha
mãe contava que um dia, na escola normal, ela e as colegas calcularam o valor
do número π (pi) na sala de aula usando o método de aproximação da
circunferência por polígonos inscritos.
A ideia é começar com um triângulo
equilátero inscrito na circunferência de raio 1 e considerar, sucessivamente,
outros polígonos inscritos com o número de lados dobrando a cada etapa.
O
perímetro de cada um pode ser calculado facilmente a partir do anterior e,
quando o número de lados é bem grande, esse valor está bem perto do perímetro
da circunferência, que é 2π.
E a professora até revelou à turma que esse método
tinha sido idealizado muitos séculos antes por um matemático chamado...
Arquimedes.
Arquimedes
foi também um dos primeiros na história a aplicar a matemática à compreensão
dos fenômenos naturais.
Ele introduziu a noção de centro de gravidade de um
corpo e descobriu a lei da alavanca: corpos numa gangorra estão em equilíbrio
se os seus pesos são inversamente proporcionais às distâncias ao ponto de apoio
da gangorra.
O princípio de Arquimedes da hidrostática é outro belo exemplo de
ciência baseada na matemática: todo corpo imerso em um líquido fica sujeito a
um impulso para cima igual ao peso do volume de líquido deslocado.
Surpreendentemente,
as obras de Arquimedes foram pouco conhecidas na Antiguidade. A primeira
coletânea abrangente só foi feita por volta do ano 530, por Isidoro de Mileto
(442–537), em Constantinopla.
Os
comentários publicados àquela época por Eustócio de Ascalão (480–540)
contribuíram muito para a popularização dos seus trabalhos, e os poucos
escritos que sobreviveram tornaram-se muito influentes no Renascimento.
O mais
acessível e, provavelmente, mais conhecido é "O Contador de Areia",
no qual Arquimedes concebe um sistema notável para a representação de números
muito grandes.
Será
o tema da próxima semana.
MARCELO VIANA - diretor-geral do Instituto de Matemática
Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France