Motoristas agem no trânsito como se estivessem no transporte


As duas cenas se passaram na mesma manhã. Na primeira, a jovem motorista avançou lentamente um cruzamento do Brooklin (zona sul de São Paulo) com seu Fiat Uno. No meio do caminho, deu uma guinada para pegar a rua à esquerda e raspou a roda no meio-fio. Fez tudo isso com apenas uma das mãos no volante. A outra segurava o celular, no qual falava como se fosse um rádio transmissor.

Mais adiante, na avenida Ibirapuera, um Toyota Etios permanecia imóvel por longos segundos após os semáforos ficarem verdes. A orquestra de buzinas fazia o automóvel prateado seguir adiante. Até onde foi possível acompanhá-lo, o adágio se repetiu em três sinais.

Consegui parar na faixa ao lado para observar o que ocorria. Deu para ver através da película escura que o rapaz ao volante digitava algo em seu smartphone, alheio ao mundo que o cercava.

A impressão deixada por esses jovens motoristas em transe digital é que desejam repetir em um veículo particular o comportamento que têm no transporte coletivo. São da primeira geração que passou da adolescência para a vida adulta plenamente conectada.

Se no ônibus, no metrô ou no carro dos pais costumavam mexer em seus gadgets, por que não fazer o mesmo ao volante?


É sabido que os jovens não têm mais o interesse latente por carros de gerações passadas, mas dirigir é uma necessidade em um país com as dimensões e precariedades do Brasil. Usam menos o automóvel e, portanto, têm menos prática. Ao juntar as pontas, vemos que a formação de condutores precisa mudar.

Há uma legião de motoristas inexperientes que sabem os atalhos de aplicativos complexos, mas não fazem ideia de quantos metros um carro percorre entre tirar uma selfie e postá-la na rede social. Bons tempos em que o problema era atender a um telefonema no Star Tac.

Carros são oásis no caos, pedaços de aço, plástico e borracha com cabines refrigeradas. Se o condutor agir como se o mundo externo fosse o virtual, se expõe a um trágico choque de realidade.

Eduardo Sodré – jornalista, editor –adjunto caderno Veículos da Folha de São Paulo

Fonte: jornal FSP 

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