Inteligência artificial vai
acabar com o direito autoral?
Se não for atualizado, direito autoral será obsoleto como um dirigível
do início do século 20.
Em um futuro não tão longe, é
provável que boa parte do que vemos e consumimos online vai ser gerada
por inteligência artificial.
Isso já pode ser visto na
música. Como sempre, a música funciona como ponta de lança das grandes
transformações sociais.
Fenômenos que mudam tudo se tornam visíveis primeiro no
campo musical. No fim dos anos 1990, foi o Napster que iniciou o terremoto que
modificaria todas as indústrias de mídia. Como diz o filósofo Jacques Rancière:
"O som é profético, é o que vem primeiro".
Está acontecendo o mesmo agora.
Na semana passada, saiu um álbum musical chamado "Aisis",
justaposição de AI (inteligência artificial) com Oasis.
Os autores compuseram músicas inspiradas pela banda
inglesa. Só que substituíram os vocais pela voz de Liam Gallagher usando AI. Teve gente que achou
que se tratava de um disco da banda original.
Tem mais. Uma música nova do rapper Drake apareceu nas
redes sociais e plataformas de streaming. Só que Drake não lançou nada.
A
faixa, chamada "Heart on My Sleeve", foi feita com AI por um autor
pseudônimo chamado @ghostwriter. Ela teve milhões de execuções nas plataformas
até ser tirada do ar a pedido da gravadora Universal por suposta violação de
direitos autorais.
Isso gerou um debate violento. A
música teria violado os direitos autorais de Drake? Apesar de claramente
parecer dele, não copia nenhum trecho do seu repertório musical.
Nesse sentido,
é original. Isso fez com que diversos especialistas afirmassem que não houve
violação. Pode ter havido uso indevido da voz do artista sintetizada, mas não
do seu direito autoral.
O episódio levou a um comentário
ácido da banda inglesa Massive Attack no Twitter: "A discussão deveria ser
sobre a inteligência artificial poder criar músicas ou sobre a música atual ser
tão homogênea e clichê que pode ser facilmente imitável?".
O
fenômeno não acaba aí. O produtor musical Andrew Faze detectou várias músicas
iguais no Spotify que aparecem com nomes de faixa e de artista diferentes em
várias playlists do gênero "easy listening".
Sua hipótese é que são
músicas criadas por AI, que não pagam direitos autorais, inseridas na
plataforma exatamente por essa razão.
Como dá para ver, o tema está quente. Tudo isso vai aparecer em
outros campos. Por exemplo, por que eu licenciaria uma foto se posso gerar
qualquer tipo de imagem de graça e sem direitos autorais usando inteligência
artificial?
Ou ainda, se a AI pode escrever textos competentes sobre qualquer
assunto (de saúde a atualidades), por que pagar alguém para isso?
Sínteses digitais vão se tornar mais baratas do que criações
humanas. Baratas não só do ponto de vista comercial mas também do ponto de
vista pessoal.
Em breve vai ser mais fácil postar conteúdo produzido por AI nas
redes sociais do que perder tempo criando conteúdos originais.
Nesse futuro não tão longe, é provável que a máquina se torne
nossa principal fonte de entretenimento e notícias.
A questão é que o trabalho
humano é quem sai perdendo. E o direito autoral, se não for atualizado, vai se
tornar uma criação obsoleta como um dirigível do início do século 20.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de
Janeiro.