Que risco
operacional é controlado pelos fundos de pensão e administradoras de planos de
saúde no Brasil?
Paulo Cesar
Chagas
Há poucos dias participei de um evento direcionado
ao gerenciamento do risco focando as atividades operacionais dos fundos de
pensão e das administradoras de planos de saúde, e neste encontro aguçou minha
curiosidade não só foi a fala uniforme de alguns palestrantes em trazer como inovação
e central para a mitigação do risco operacional a probabilidade, como também me
preocupou a passividade dos participantes com relação ao entendimento dos
conceitos pertencentes ao tema e proferido pela maioria dos conferencistas.
Meu sentimento foi que para a maioria da
plateia, composta basicamente por técnicos dos dois segmentos, risco é apenas
um substantivo e probabilidade também o é, só que neste caso feminino.
Este
tipo de comportamento técnico é preocupante sob dois aspectos; o primeiro é com
relação aos técnicos que demonstram uma insegurança conceitual sobre os temas
abordados possibilitando-nos acreditar que eles também não sabem outras coisas,
assim como os palestrantes quando assumem uma postura de vendedores de soluções
prontas, cujo imediatismo ao sonegar o espaço da reflexão necessária à gestão
daquilo do que se está medindo deixa como única solução o atendimento compulsório
da lei.
Este cenário da coisa pronta é
inquietante, no entanto nos possibilita desenvolver um texto cujo objetivo é
apresentar o risco além de sua característica morfológica, explorar o sentido
útil da probabilidade e lançar âncora na metodologia do cálculo do risco
operacional para entender que a pessoa que trabalha é uma de suas variáveis de
mensuração.
Como o eixo central deste escrito é o
risco operacional vou resgatar do segmento fechado de previdência complementar
brasileiro sua definição, assim declarado; “é a probabilidade de perdas com
operações e procedimentos inadequados seguidos em desconformidade com padrões
utilizados para um melhor desempenho operacional da organização. Esse tipo de
risco está muito ligado a erros humanos.” (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2018)
Esta conceituação não é exclusivamente alicerçada na Resolução
CGPC nº 13 de 2004 que estabelece princípios, regras e práticas de governança,
gestão e controles internos a serem observados pelas entidades fechadas de
previdência complementar – EFPC que foi corroborada pela Resolução do Conselho
Monetário Nacional nº 3.380 de 29.06.2006 que dispõe sobre a implementação de
estrutura de gerenciamento do risco operacional.
Este texto foi revogado pela
Resolução CMN nº 4.557 de 23.02.2017 que passou a dispor sobre a estrutura de
gerenciamento de riscos, a estrutura de gerenciamento de capital e a política
de divulgação de informações, ou seja, a nova resolução passou a abarcar um
campo muito maior de preocupação sobre risco operacional.
Perceba que a definição de risco operacional apregoado pelo
segmento fechado de previdência complementar e o CMN traz à luz a probabilidade
de perda com operações e procedimentos inadequados, ou seja, o inoportuno é o
risco.
Tratar do risco, em sua forma macro, é uma condição necessária para o
entendimento do risco operacional. Assim, encontramos na pergunta formulada por
Bernstein (1997) “o que distingue os milhares de anos de história do que
consideramos os tempos modernos?” nossa primeira reflexão sobre este complexo
tema.
A resposta a esta pergunta transcende o progresso da ciência, da
tecnologia, do capitalismo e da democracia, pois, para o autor supracitado a
fronteira entre os tempos modernos e o passado é o domínio da probabilidade da
perda, ou seja, “a noção de que o futuro é mais do que um capricho dos
deuses”.
Para melhor explorar a amplitude desse conceito os convido a
assumir a hipótese de que só existirá risco se existir a incerteza sobre o
alcance dos objetivos previamente pensados, e para exemplificar esta
dependência, incerteza versus objetivos, vou recorrer a Damodaran (2009)
que assim explica risco:
“Uma pessoa que salta de um avião sem paraquedas não enfrenta
qualquer risco de morrer, já que nessa situação a morte é certa, não há
incertezas”.
E é esta incerteza que hoje tecnicamente se busca no gerenciamento
do risco operacional, pois até o final da década de noventa e início dos anos
dois mil, este tema não atraía nem o interesse da academia e nem tampouco os
holofotes da mídia especializada em finanças.
No entanto, quando investidores
começaram a acumular prejuízos em função de má gestão, de fraudes e de erro
humano, na execução dos procedimentos operacionais, o risco operacional
torna-se a única explicação sustentável para o mercado de capitais, creditando
esta crença à justificativa do fechamento de empresas de grande porte e/ou
instituições financeiras nacionais e internacionais.
Eis, portanto, a origem da
preocupação com o risco operacional do mercado financeiro que alicerçou o
arcabouço jurídico do tema no segmento fechado de previdência complementar
brasileiro.
Este raciocínio desenvolvido pelo mercado financeiro associou o
sujeito que trabalha ao risco operacional em função da falha humana, e ao
humano coube ser constantemente vigiado durante a realização dos objetivos
cristalizados na execução dos processos operacionais.
Assim, todos os
potenciais eventos causadores de prejuízos e que chamaram a atenção do mercado
de capitais são agora estudados sob a importância do risco operacional, como,
por exemplo, a insolvência, ocorrida em 1995, com o tradicional banco de
investimentos inglês - Barings Bank, causada pelo gerente de mesa de
derivativos e com apenas 28 anos ficou conhecido como o único responsável pela
quebra da instituição.
Chama a atenção a afirmação: o único responsável.
As causas para perda deste patrimônio inglês foram várias.
Entretanto, os destaques, tanto da mídia especializada quanto da produção científica
ficaram centrados no trabalho prescrito das ações operacionais, tais como: erro
de reconciliação, falhas nos processos de autorização de operações, falta de
acompanhamento dos problemas apontados nos relatórios de auditoria interna,
supervisão inadequada e falta de processos de controle, ou seja, é latente o
desconhecimento à época de todas as variáveis da organização do trabalho na
apuração do risco operacional.
E quando o palestrante fala em probabilidade,
assim no singular, fico sem saber a que variável ele faz referência.
Os padrões qualitativos e subjetivos, primeiro estágio do
cálculo do risco operacional, referiam-se às diretrizes de qualidade dos
controles internos, diretrizes de qualidade para processos e recursos e
diretrizes setoriais de boas práticas operacionais para o gerenciamento de
risco, além de indicadores-chave de risco.
Só mais no início desta década que a
construção de base de dados mais estruturadas possibilitou a inferência de determinadas
variáveis do risco operacional. (ALVES;
CHEROBIM, 2009; BORGES; MOURA, 2014).
No entanto o interesse pela “falha humana” ainda é estimulado,
quando o caso do Barings Bank se repete em outros escândalos de fraude,
fracasso financeiro e interrupção de negócios fomentando, portanto, a
necessidade de que autoridades reguladoras do mercado financeiro e de capitais
passassem a focar com mais cuidado o risco operacional, isto é, entender este
risco como merecedor de tratamento corporativo (ALVES; CHEROBIM, 2009;
OLIVEIRA; ROCHA, 2014; WEBER; DIEHL, 2014).
Eis o impulso motivador da
preocupação com o risco operacional por parte do segmento fechado de
previdência complementar e das administradoras de planos de saúde.
Apesar do tema ser explorado muito mais pelo viés da compulsoriedade
penso que este assunto deveria ser melhor estudado pela necessidade de
informação gerencial, haja vista que a inquietação dos investidores na década
de noventa e anos dois mil era cristalizada na seguinte frase de Mendonça,
Galvão e Loures (2008, p. 311): “os danos a ativos, que em princípios não
parecem estar associados à gestão do conhecimento, costumam estar intimamente
ligados à incompetência ou à displicência”.
E hoje, no gerenciamento do risco
operacional como o software que você usa trata a variável sujeito que
trabalha? Penso que não muito diferente.
Portanto, o entendimento das causas de perdas patrimoniais e/ou
de fracassos foram direcionadas à falha humana, o que contribuiu para que o
conceito de risco operacional, sob o manto das ciências da administração fosse
incorporado tanto ao processo contínuo da gestão como também as questões
corporativas.
O alicerce da construção desse sujeito do risco operacional
surge em um contexto internacional onde o Comitê de Supervisão Bancária da
Basiléia, emite o acordo de Basiléia II e neste documento, define-se risco
operacional como “perdas resultantes de processos internos falhos ou
inadequados, pessoas e sistemas”.
O sujeito do erro, o sujeito da falha, também é percebido por
Chorafas (2004) ao entender que a abrangência do risco operacional passa pelas
perdas inesperadas resultantes de operações incorretas de pessoal, de falha de
sistemas e controles inadequados.
Este sentimento é corroborado por Alves
(2005) quando entende que a deficiência em sistemas de informações, controles
internos e o erro humano contribuem para perdas inesperadas.
Portanto, o gestor do risco operacional não pode atracar-se em software
que ofertam a tábua de salvação no gerenciamento do risco operacional, é
necessário que tanto o fundo de pensão quanto a administradora de plano de saúde
entendam que medir risco operacional, em última análise, é estimar a
probabilidade de uma potencial perda em função das variáveis do trabalho
inseridas no processo produtivo.
Chama a atenção o entendimento de Keck e Jovic
(1999) de que as instituições financeiras mensuram o risco de crédito e de
mercado, porque eles têm dados e informações sobre estes riscos, e não porque
esses são os maiores riscos enfrentados pelas empresas.
Na metodologia de apuração do risco operacional, que ainda hoje é
utilizada em algumas entidades, é o sujeito que falha e aparece como a
potencial causa das perdas e, muitas vezes, isso é usado como uma forma de
evitar as responsabilidades gerenciais, basta ver que a engenharia do fator
humano tende a empurrar a culpa para baixo da estrutura hierárquica.
É por
isso, aliás, que em caso de incidente ou acidente, nunca haverá dificuldade
para colocar em evidência as falhas na execução das prescrições e o sujeito que
trabalha ficará sempre exposto à intenção de seus superiores (DEJOURS, 2008).
No entanto, é importante destacar que a relação homem-trabalho é
sustenta em três dimensões: a) que o organismo do trabalhador não é um motor
humano; b) que o trabalhador não chega a seu local de trabalho como uma máquina
nova; e c) cada trabalhador, em razão de sua história, dispõe de vias de
descargas psíquicas preferenciais.
Dejours, Abdoucheli e Jayet (2007), ou seja,
a varável sujeito que trabalha não é uma constante e assim deverá ser capturada
e tratada pela estatística na mensuração do risco operacional.
No seu mapeamento de gestão do risco operacional esta variável é
capturada?
Paulo Cesar Chagas |Mestre em Ciências Contábeis, Doutor em Psicologia
Referências
ALVES, Carlos André de Melo; CHEROBIM, Ana Paula Mussi Szabo.
Análise do nível de divulgação do risco operacional segundo recomendação do
comité de Basiléia: estudo em bancos no país e do exterior. Revista de
Administração Mackenzie, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 57-86, mar./abr. 2009.
BERNSTEIN, Peter L. Desafio aos deuses: a fascinante
história do risco. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.
CHORAFAS, D.N. Operational risk control with basel II: basic
principles and capital requirements, Elsevier Butterworth-Heinemann, 2004.
DEJOURS, Christophe; ABDOUCHELI, Elisabeth, JAYET, Christian. Psicodinâmica
do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer,
sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 2007.
DEJOURS, Christophe. A avaliação do trabalho submetida a prova
do real: críticas aos fundamentos da avaliação. In: SZNELWAR, L.; MASCIA, F.
(Orgs.). Trabalho, tecnologia e organização. Cadernos de TTO, n.º 2, São
Paulo: Bucher. 2008.
DAMODARAN, Aswath. Gestão estratégica do rico: uma referência
para a tomada de riscos empresariais. Porto Alegre: Bookman, 2009.
KECK, Walter; JOVIC, Dean. Das management von operationellen
risiken bei banken. Der Schweizer Trehänder, Zurique, p. 963-970, 1999.
MENDONÇA, H. F; GALVÃO, G. D.J.C.; LOURES, R.F.V. Risco
operacional nas instituições financeiras: contratar seguro ou auto segurar-se? Revista
Economia, Brasília, v. 9, n. 2, p. 309-326, maio/ago. 2008.
MINISTÉRIO DA FAZENDA, Subsecretaria do Regime de Previdência
Complementar, Fundos de Pensão: coletânea de normas. Brasília: 2018.
WEBER, Elson Luciano; DIEHL, Carlos Alberto. Gestão de riscos
operacionais: um estudo bibliográfico sobre ferramentas de auxílio. Revista
de Contabilidade do Mestrado em Ciências contábeis da UERJ, Rio de Janeiro,
v. 19, n. 3, p. 41 - 58, set./dez., 2014.