Sua mais recente obra, O
que o dinheiro não compra, debate questões de justiça, ética e
moral em nosso tempo. Partindo do pressuposto de que quase tudo pode ser
comprado ou vendido atualmente, discute o papel e o alcance dos mercados em
nossas vidas.
No artigo abaixo, escrito para o Huffington Post e
adaptado de O que o
dinheiro não compra, Sandel debate a transformação da economia de mercado
para a sociedade de
mercado. Segundo o filósofo, a lógica da compra e da venda
tem governado cada vez mais questões da sociedade. Para ele, isso ocorre por nosso
medo de nos confrontarmos uns com os outros e de expormos nossos valores
morais. É por nosso silêncio que o mercado escolhe por nós. Assim, é
necessária uma profunda e aberta reflexão sobre qual tipo de sociedade
queremos construir e quais são os lugares em que a lógica do mercado pode
entrar e atuar. Leia, abaixo, a tradução do texto original:
Michael Sandel: o que o dinheiro não pode comprar
Vivemos em um tempo em que quase tudo pode ser comprado e
vendido. Nas últimas três décadas, mercado – e os valores do mercado –
passaram a governar nossas vidas como nunca antes. Não chegamos a esta
condição por meio de uma decisão deliberada. É quase como se isso tivesse
acontecido conosco.
Quando a Guerra Fria acabou, mercados e pensamento
mercadológico aproveitavam um prestígio sem paralelos, compreensivelmente.
Nenhum outro mecanismo para a organização da produção e a distribuição de
bens se provou tão bem-sucedido na geração de riquezas e prosperidade.
Conforme os crescentes números de países pelo mundo abraçavam os mecanismos
do mercado para operarem suas economias, algo além estava acontecendo. Os
valores do mercado passavam a ter, mais e mais, um papel na vida social.
Hoje, a lógica da compra e venda não se aplica somente aos
bens materiais, mas cada vez mais governa nossas vidas inteiramente. Passamos
da economia de mercado para a sociedade de mercado.
E enquanto economistas geralmente assumem que os mercados são
passivos, que eles não afetam os bens que comercializam, isso é mentira.
Mercados deixam sua marca. Às vezes, valores de mercado desencorajam valores
que não pertencem às normas do mercado.
Claro, pessoas discordam sobre as normas apropriadas para
muitos dos campos que os mercados invadiram – vida familiar, amizade, sexo,
procriação, saúde, educação, natureza, arte, cidadania, esportes e a maneira
com que nós resistimos à morte. Mas, este é o ponto: uma vez que nós vemos
que os mercados e o comércio mudam o caráter dos bens que tocam, devemos nos
perguntar onde os mercados pertencem e onde não pertencem. E não podemos
responder esta pergunta sem refletirmos sobre o significado e o propósito dos
bens e os valores que deveriam governá-los.
Tais reflexões tocam, inescapavelmente, em desafiadoras
concepções sobre a boa vida. Este é um terreno que, algumas vezes, tememos
pisar. Por medo da discordância, hesitamos em tornar públicos nossos valores
morais e convicções espirituais. Mas, abdicar destas questões não as deixa
sem resposta.
Simplesmente, significa que os mercados decidirão por nós. Esta
é a lição das últimas três décadas. A era do triunfo dos mercados coincidiu
com um tempo em que o discurso público tem sido amplamente esvaziado de
substância moral e espiritual. Nossa única esperança em mantermos os mercados
em seu lugar é refletirmos abertamente sobre o significado dos bens e das
práticas sociais que prezamos.
Ao debate sobre o significado deste ou daquele bem, precisamos
somar uma questão maior, sobre o tipo de sociedade em que queremos viver.
Enquanto direitos de nome e políticas de marketing municipal se apropriam dos
recursos comuns, eles têm sua natureza pública diminuída. Além do dano que
isso causa a determinadas mercadorias, o comercialismo corrói a comunalidade.
Quanto mais coisas o dinheiro pode comprar, menos são as ocasiões em que
pessoas de diferentes lugares se encontram. Vemos isso quando vamos a um jogo
de baseball e olhamos acima, para os camarotes, ou olhamos para baixo, quando
estamos neles, se for o caso. O desaparecimento das experiências que misturam
as classes, antes vividas nos estádios, representam uma perda não apenas para
aqueles que estão olhando de cima, mas também para os que olham para baixo.
Algo similar tem acontecido em toda sociedade. Em um tempo de
desigualdade crescente, a mercantilização de tudo significa que pessoas com
riquezas e pessoas com meios modestos levam vidas cada vez mais separadas.
Você pode chamar isso de camarotização da vida americana. Não é bom para a
democracia, tampouco é uma maneira satisfatória de viver.
A democracia não requer igualdade perfeita, mas requer que os
cidadãos compartilhem uma vida comum. O que importa é que pessoas de
diferentes contextos e posições sociais se encontrem e se choquem umas contra
as outras no curso da vida cotidiana, pois é assim que aprendemos a negociar
e tolerar nossas diferenças, é como aprendemos a nos importar com o bem
comum.
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