Só
conhecemos 5% da matéria no Universo, sendo os outros 95% de composição
desconhecida
Do que tudo é feito? Segundo sabemos, essa foi a
primeira pergunta que os filósofos da Grécia Antiga fizeram, em torno de 550
a.C. E é ela a pergunta que continuamos a fazer, agora parte da pesquisa na
física de partículas e cosmologia.
Nebulosa Cabeça de Cavalo - Nasa
Obviamente, aprendemos muito sobre a composição material
do Universo nos últimos 2.500 anos. Por exemplo, hoje sabemos que todos os
objetos que conhecemos no cosmo, das estrelas aos sapos, são compostos por
átomos de 92 elementos químicos em quantidades e combinações diferentes,
começando com o hidrogênio, o mais comum no Universo, e terminando com o
urânio.
Existem outros elementos químicos, que produzimos
artificialmente no laboratório. Mas a natureza se limita a esses 92. Sabemos,
também, que todos esses elementos químicos são feitos de três partículas,
prótons, nêutrons e elétrons. Os prótons e nêutrons no núcleo, e os elétrons à
sua volta. O que determina o elemento químico é o número de prótons que há no
núcleo: o hidrogênio tem um, o carbono seis, enquanto o urânio tem 92.
Sabemos, ainda, que prótons e nêutrons são feitos de
partículas ainda menores, chamadas quarks. No caso, o próton de dois quarks
“up” e um “down”, e o nêutron de dois “down” e um “up”. Portanto, podemos dizer
que a matéria comum que existe no Universo é feita de três partículas: dois
quarks (“up” e “down”) e elétrons.
Por que usei o adjetivo “comum”? Porque, por estranho
que pareça, a matéria que vemos na Terra, nos planetas, nas estrelas e nas galáxias,
é apenas 5% da matéria que existe no Universo. Isso mesmo, uma minoria
absoluta. O resto, os outros 95%, tem composição desconhecida.
Imagino que o leitor esteja se perguntando, com razão,
como sabemos isso. Afinal, se esses 95% que faltam não são feitos de quarks e
elétrons, como detectamos sua existência?
Sabemos, para começar, que esses 95% não são uma coisa
só. Cerca de 27% é composto do que chamamos de matéria escura, enquanto o
resto, 68%, de energia escura. E matéria e energia escura, mesmo tendo a
escuridão em comum, são coisas muito diferentes. Hoje, vamos tratar mais da
matéria escura, deixando a energia escura para outra semana.
Apesar de não sabermos o que são, temos alguns fatos que
nos ajudam a determinar o que podem ser. No caso da matéria escura, sabemos que
ela se aglomera em galáxias, afetando o seu comportamento. Mesmo que não seja
feita de matéria comum, a matéria escura tem massa. Isso significa que a
matéria comum e a matéria escura dividem ao menos uma característica, a atração
gravitacional.
A gravidade, aparentemente, não discrimina entre os dois
tipos de matéria: todos os corpos com massa, de partículas a galáxias,
atraem outros corpos com massa. Com isso, mesmo se invisível, a matéria escura
em torno de galáxias afeta como elas giram. E, como galáxias são feitas de
estrelas e gás, o giro das galáxias é, essencialmente, o giro de suas estrelas.
Astrônomos podem medir a velocidade das estrelas em
galáxias, do centro até a periferia e, com isso, determinar a massa das
galáxias e sua distribuição, ou seja, onde a matéria está localizada. E o que
concluem é que galáxias contêm uma espécie de véu de matéria escura, que
aumenta a velocidade das estrelas na sua periferia. Até grupos de galáxias,
contendo de dezenas a milhares delas girando em torno de si, contêm quantidades
enormes de matéria escura.
Portanto, sabemos que a matéria escura existe. Ainda
bem, porque os modelos que temos da evolução do Universo precisam muito
dela. Foi a matéria escura, quando o Universo era ainda bem jovem, que
criou os primeiros centros com alta densidade de matéria que, por sua vez,
atraíram a matéria comum.
Essas regiões, com excesso de matéria escura e comum
vieram, com o tempo, a formar as primeiras estrelas e galáxias. Ou seja, as
estrelas que vemos no céu, as galáxias por todo o Universo, são cria da matéria
escura. A luz vem da escuridão. Como vivemos numa galáxia, num planeta girando
em torno de uma estrela, podemos dizer que sem a matéria escura não estaríamos
aqui.
A questão da composição dessa matéria escura, porém,
continua em aberto. Não sabemos o que é.
Nas últimas três décadas, físicos sugeriram muitos
candidatos diferentes para essa matéria escura: novas partículas, além das que
conhecemos hoje; pequenos agregados de matéria, como planetas, feitos de algum
tipo de matéria desconhecida; miniburacos negros, com massa não muito grande
(maior do que uma montanha, mas não muito maior do que estrelas), formados nos
primórdios da história cósmica; e outros objetos exóticos.
Centenas de experimentos foram montados, na Terra e no
espaço, buscando por essas novas partículas de matéria escura. Até o momento,
mesmo após todas essas buscas, nada foi encontrado. O mesmo com planetas feitos
dela. É como se essa matéria fosse uma espécie de fantasma, capaz de atravessar
qualquer obstáculo feito de matéria comum. E como a maioria desses experimentos
usam alguma forma de obstáculo para detectar a matéria escura, acabam não
achando nada.
Alguns físicos sugeriram que talvez a teoria da
gravidade esteja errada, que deve ser alterada em grandes distâncias.
Infelizmente, essas sugestões também encontram dificuldades.
A matéria escura não é apenas detectada no giro das
galáxias. Vemos seus efeitos através do fenômeno conhecido como lentes
gravitacionais, onde a concentração de matéria curva o espaço em torno de uma
galáxia, alterando os raios de luz que vêm de uma fonte mais distante, muito
parecido com lentes comuns. A distorção reflete a quantidade de matéria, comum
e escura, na galáxia ou grupo de galáxias. A matéria escura está lá. Além
disso, a própria expansão do Universo indica a necessidade desse tipo de
matéria, complementando a matéria comum.
O desafio continua e a busca pela matéria
escura também.
Nos últimos 2.500 anos, aprendemos muito sobre a
composição material do Universo. Aprendemos, também, a manter a mente aberta ao
mistério que nos cerca. Talvez a explicação da matéria escura seja mais simples
do que imaginamos. Talvez não, necessitando uma profunda revisão de como
entendemos a matéria e suas interações.
De
qualquer forma, em ciência não há nada melhor do que um grande mistério a
resolver.
Marcelo
Gleiser - coluna discute temas sobre
física, filosofia e o impacto social e cultural da ciência.
Fonte:
coluna jornal FSP