Você contaria seu maior segredo
a um perfeito estranho? Pois nos últimos anos, mais de meio milhão de pessoas
desconhecidas contaram seus segredos ao americano Frank Warren –e usando
cartões postais.
Segredos de amor: "Sou
apaixonado pela mesma pessoa desde meus 11 anos, mas ela não sabe". De
desabafo: "Eu sobrevivi a abusos, a violência, a morar na rua. Mas a
anorexia está acabando comigo".
A ocupação inusitada de Frank
começou como um projeto artístico, com cartões postais feitos à mão pelo
próprio, endereçados a ele e distribuídos pelas ruas de Washington, DC. Para
sua surpresa, o projeto transcendeu a arte e assumiu vida própria, conforme
cada vez mais pessoas descobriam o endereço de Frank e lhe enviavam seus
próprios postais, feitos e decorados por elas.
O que torna ainda mais
improvável que tantas pessoas escolham enviar seus segredos a um desconhecido
pelo correio é que o destino dos segredos enviados a Frank é a internet: ainda
que anônimos, os segredos são publicados diariamente no site PostSecret.com.
Frank lê todas as várias dezenas de postais que recebe por dia, seleciona
alguns, e posta suas mensagens no site.
Para a neurociência, no
entanto, faz todo sentido: poder contar um segredo de maneira segura, e mesmo
vê-lo tornar-se público, é um alívio.
O problema é que suprimir
frases ou pensamentos, e na verdade qualquer ação (como xingar a mãe alheia),
requer esforço cognitivo consciente. Sentar em cima do impulso e contê-lo é
possível graças ao córtex pré-frontal que, ao julgar a intenção inadequada ou o
segredo impublicável, consegue impedir que se passe à ação. Mas isso exige
atenção constante. Imagine o esforço de passar um dia inteiro sem poder falar
as palavras "Sim", "Não", "Branco" e "Preto",
como no jogo que Asterix, na história em quadrinhos, propõe aos gladiadores
romanos.
Suprimir segredos é ainda pior:
são fatos, desejos, memórias, pensamentos que fazem parte de nossa essência,
que nos acompanham ao longo dos dias, mas que o córtex pré-frontal decreta
incomunicáveis. Não poder falar de algo que nos consome é mentalmente
exaustivo.
Mas poder contar um segredo
–ah, o alívio de contá-lo, poder deixar o córtex motor seguir adiante e soltar
todas aquelas frases ensaiadas tantas vezes, mas sempre contidas, e finalmente mudar de assunto. E o melhor de tudo? Frank lê
segredos – mas não julga o dono.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com