O sucesso em conquistar metas financeiras de longo prazo exige
muito mais do que habilidades numéricas da nossa parte, pois certamente
encontraremos armadilhas ao longo do caminho que podem comprometer o nosso
projeto financeiro. Quanto mais complexa e distante no tempo é uma decisão,
maior é a probabilidade de termos dificuldade em analisar racionalmente as
alternativas e escolher a melhor delas ou a mais viável para o momento. No caso
da Previdência Complementar, o fator tempo pode ser um grande complicador.
Para nós, não é nada fácil ter que abrir mão de uma gratificação
imediata (no presente) para obtermos um ganho lá adiante (no futuro), mesmo que
o prejuízo seja grande e que tenhamos que arcar com ele lá na frente. Como a
nossa tendência natural é a impulsividade, acabamos dando um jeitinho para
enganar a nós mesmos na tentativa de concretizar os nossos desejos da maneira
mais rápida possível. Por isso temos dificuldade em esperar juntar o dinheiro
para comprar à vista uma televisão e acabamos parcelando em 24 vezes. E pior,
pagando o preço da nossa impaciência: os juros.
Por que, então, concordamos em pagar parceladamente aquilo que não podemos
pagar à vista? Quem nos autoriza, neste caso, é um artifício chamado
‘contabilidade mental’ ou ‘contas mentais’. Acontece que a nossa
‘calculadora mental’ não tem precisão científica nem opera com valores
objetivos.
Fazemos contas mirabolantes, que nos dão a falsa impressão de
que o nosso orçamento vai fechar no final do mês e até vai dar para trocar o
aparelho de celular (por aquele que já estamos de olho há algum tempo), mas
‘desconsideramos’ que estamos fazendo as contas em cima do salário bruto e não
do salário líquido. Ou ainda, quando gastamos antecipadamente todo o 13o
salário já na metade do ano, quando recebemos apenas uma parte dele, comprando
o que não podemos nem precisamos. Na nossa cabeça, a contabilidade fechou,
podemos respirar aliviados. O interessante é que o resultado das nossas contas
mentais é sempre tendencioso: no final, ele dá um jeitinho de fechar às contas
a favor das nossas gratificações no presente.
Mesmo quem já tem Previdência Complementar não está imune a armadilha das
contas mentais e pode, inclusive, ver frustradas as suas expectativas futuras.
O fato de estar contribuindo para um plano previdenciário gera um efeito
tranquilizador. Porém, a contabilidade mental pode fazer com que o participante
desconsidere a necessidade de revisar periodicamente o valor das contribuições
no seu plano o que, com o passar do tempo, pode vir a se tornar insuficiente. O
resultado lá na frente será o de insatisfação com o valor do benefício a ser
recebido.
A contabilidade mental, via de regra, também subestima os riscos. Mesmo quando
projetamos um planejamento para o futuro, podemos menosprezar os custos que
envolvem a longevidade como a elevação brutal com as despesas de medicamentos e
plano de saúde, por exemplo. Este é o caso do participante que subestima as
despesas e superestima os ganhos futuros. Novamente, o resultado lá na frente
será o de insatisfação com o valor do benefício a ser recebido.
A contabilidade mental também pode provocar anomalias intertemporais. Se
priorizamos o presente, desconsiderando nossas necessidades futuras, acabamos
hipotecando o nosso futuro. Em contrapartida, se supervalorizamos o futuro, não
desfrutamos o presente. Um planejamento financeiro eficiente deve se constituir
de metas realistas e exeqüíveis, buscando o equilíbrio entre o presente e o
futuro.
Atenção e dicas
A contabilidade mental pode desequilibrar o seu planejamento financeiro. Num
primeiro momento, ela pode parecer que está ao nosso favor. Só que não. Afinal,
o dinheiro pode ser um fator de risco ou de proteção, dependendo de como nos
relacionamos com ele. Conhecer as nossas limitações sobre como lidamos com os
nossos recursos financeiros, aumenta o nosso campo de visão e pode nos libertar
das armadilhas, ampliando a nossa capacidade de decidir a nosso
favor. Procure cercar-se de especialistas, pois eles terão uma opinião
neutra e isenta. Não esqueça que metas podem e devem ser revistas e realinhadas
e que a decisão final será sempre sua.
E jamais substitua a calculadora financeira pela mental!
Luciane
Fagundes - psicóloga e professora de Psicologia Econômica no MBA em
Previdência Complementar da ESPM/Mirador e consultora da Mirador Atuarial.